Guiné-Bissau: Debate aceso sobre força militar da CEDEAO
4 de maio de 2022A polémica está instalada: vários setores da política e da sociedade civil guineenses não concordam com o regresso de uma força militar da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) à Guiné-Bissau, nem com os procedimentos aplicados para a sua vinda.
Esta quarta-feira (04.05), o "Espaço de Concertação dos Partidos Democráticos", constituído pelo Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) e mais cinco formações políticas guineenses, repudiou a decisão da CEDEAO em mandar uma força militar ao país, e disse estar contra "jogadas" da organização da África Ocidental, para qualquer imposição à Guiné-Bissau.
Oposição emite comunicado muito crítico
Num comunicado lido por Silvestre Alves, líder do Movimento Democrático Guineense (MDG), os partidos afirmam: "O destacamento de uma força à coberta de uma pretensa decisão que não respeita os procedimentos para a sua constituição arrisca-se a configurar um caso de invasão da Guiné-Bissau, por forças da CEDEAO".
A decisão da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental de enviar uma força militar para a Guiné-Bissau foi tomada a 2 de fevereiro, um dia depois da tentativa de golpe de estado ocorrido no país e que resultou em 11 mortos.
Segundo afirmou o líder do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), Domingos Simões Pereira, a CEDEAO foi "induzida" a enviar tropas para a Guiné-Bissau porque "comprou a versão" de golpe de Estado.
"Demos conta que a CEDEAO foi induzida a tomar a decisão de envio de tropas porque comprou a versão de que se tratava de facto de um golpe de Estado, tratando-se de um golpe de Estado eventualmente estaria a envolver militares guineenses e por isso a CEDEAO vinha garantir a estabilização interna", referiu.
Soldados da CEDEAO já chegaram
Uma parte do contingente da CEDEAO encontra-se no país há mais de uma semana. É composto por militares do Senegal, Gâmbia, Nigéria e Costa do Marfim, e o número de efetivos deverá ser superior a 630 homens.
Para o "Espaço de Concertação dos Partidos Democráticos", a presença desses militares é uma humilhação para as forças armadas guineenses. No comunicado conjunto afirma-se: "O destacamento de uma força estrangeira [na Guiné-Bissau], sem nome, nem mandato, nem duração, e eventualmente às custas da Guiné-Bissau, correndo o risco de fragilizar o país, pôr em causa a sua integridade territorial e o controlo das suas riquezas, constitui uma afronta e uma humilhação para as nossas gloriosas forças armadas revolucionárias do povo, que as pode colocar numa situação de impossibilidade de cumprir com os seus deveres constitucionais".
Assembleia Nacional não foi consultada
Os partidos exigem ainda que a Assembleia Nacional Popular (ANP) seja ouvida sobre o assunto e apelam às forças armadas a serem "firmes e vigilantes", em defesa da sua honra e juramento.
Na semana passada, o porta-voz do governo, Fernando Vaz, confirmou a presença das tropas da CEDEAO, no país, e admitiu que o assunto não reúne consenso nacional.
Esta é a terceira vez que uma força da CEDEAO é colocada na Guiné-Bissau. A primeira foi em 1998, aquando do conflito político-militar que assolava o país, e depois entre 2012 e 2020, na sequência do golpe de estado de 12 de abril, ocorrido há 10 anos.
Sociedade civil desdramatiza
Por não se tratar da primeira vez que a força da África Ocidental vem à Guiné-Bissau, Malam Braima Sambú, dirigente do Movimento Nacional da Sociedade Civil, para Paz Democracia e Desenvolvimento, desdramatiza a situação: "Na nossa opinião, a vinda da força da CEDEAO está no âmbito da nossa integração [na sub-região], porque não é a primeira vez que a força da CEDEAO vem à Guiné-Bissau. O que é necessário é encarar a situação com a normalidade e trabalhar para a estabilização do país, o país precisa da estabilidade e do desenvolvimento".
Por sua vez, o analista político Jamel Handem, ouvido pela DW África, alerta para as consequências políticas da presença dos militares da CEDEAO no país: "A vinda das tropas estrangeiras só poderá ter como resultado o agudizar dos conflitos políticos e o estrear de posições em relação à presença de uma força que é completamente estranha aos guineenses. Estamos a caminhar para a situação de alto risco de conflito politico na Guiné-Bissau".
A DW contactou os partidos que sustentam o atual governo guineense, para reagir à polémica, mas sem sucesso.