Idai: Acessos e financiamento dificultam trabalho do PAM
27 de março de 2019O Programa Alimentar Mundial (PAM) precisa de 130 milhões de dólares para continuar a apoiar as populações afetadas pelo ciclone Idai no centro de Moçambique, segundo a representante em Maputo, Karin Manente. O PAM declarou "emergência de mais alto nível" no país e lançou uma operação em larga escala, com o envio de provisões para as áreas afetadas.
Dados das Nações Unidas indicam que o ciclone Idai afetou 1,85 milhões de pessoas em Moçambique, estimando-se que mais de 480 mil tenham sido desalojadas pelas cheias que submergiram e destruíram uma área de mais de 3 mil quilómetros quadrados. O PAM classifica o ciclone Idai como um dos piores da última década e dos piores nos últimos 200 anos no hemisfério sul.
Em entrevista à DW África, Karin Manente destaca a "parceria forte" com o Instituto Nacional de Gestão de Calamidades (INGC), o Governo e as comunidades e a capacidade de coordenação do Programa Alimentar para ultrapassar a fase inicial "complexa" do processo de ajuda. Água potável e alimentação continuam a ser as grandes prioridades.
DW África: O Programa Alimentar Mundial das Nações Unidas diz que a situação em Moçambique é "uma emergência do mais alto nível". O que é que o PAM está a fazer no terreno, neste momento?
Karin Manente (KM): Primeiro, é preciso dizer que o PAM já estava no terreno antes de o ciclone chegar. O PAM tem uma parceria muito forte com o Instituto Nacional de Gestão de Calamidades (INGC) e com o Governo de Moçambique, com as comunidades nas áreas onde há estes perigos, trabalhamos juntos no planeamento e na resposta. Antes do ciclone já tínhamos pessoal e alimentos preposicionados e já estávamos a responder às cheias em Tete e na Zambézia. Depois de passar o ciclone, fizemos parte do primeiro grupo que entrou na cidade da Beira para avaliar a situação e começar a dar a resposta. 48 horas depois da passagem do ciclone, já estávamos a fazer a distribuição de alimentos. Começámos com biscoitos enriquecidos, bons para as populações isoladas. Colocámos lá dois helicópteros, hoje já são três, que utilizamos para distribuir estes biscoitos às aldeias mais longínquas e isoladas. Também distribuímos papinhas [de bebé] enriquecidas nos centros de acomodação nas áreas urbanas. Até ao momento já apoiámos um total de 168 mil pessoas e o número está a crescer, na medida em que vão sendo abertos os acessos e as pessoas vão aos centros.
DW África: Apesar de já estarem no terreno, devido à falta de energia e comunicações, dificuldades de acesso, o processo de distribuição de ajuda começou de uma forma algo caótica. Como é que se supera este "caos" no terreno?
KM: Eu não sei se diria caos. Houve muita coordenação e liderança do Governo. E o PAM apoia não só na resposta mas também na coordenação. Fazemos uma coordenação com os parceiros e na área da logística é o PAM que faz a coordenação com as autoridades governamentais para resolver para onde vai o quê, na priorização. Na cidade da Beira temos um centro de operações e, pouco a pouco, vamos tendo condições mais propícias para trabalhar. Há, por vezes, algumas lacunas, mas é sempre a natureza de uma emergência. Por exemplo, estamos a superar o problema da comunicação, que é uma área que o PAM também apoia. Colocámos wi-fi no centro de operações para todos poderem usar. Já estamos a superar estas coisas.
DW África: Quais são as dificuldades que se mantêm na distribuição de ajuda?
KM: O acesso. Meios de transporte e acesso às pessoas que ainda estão isoladas. O segundo aspeto é o financiamento. O PAM começou este trabalho com um financiamento adiantado e temos agora que repagar o adiantamento interno que fizemos. A nossa necessidade de financiamento é um total de 130 milhões de dólares, é a lacuna para, nos próximos três meses, podermos dar continuidade ao trabalho que estamos a fazer agora, na mesma extensão.
DW África: Estamos a falar de muitas pessoas afetadas e ajuda, em muitos casos, insuficiente. Começam a surgir algumas críticas à forma como são distribuídos os apoios pelas autoridades governamentais. Nestas situações de emergência de alto nível, como é que se garante que a ajuda chega a quem realmente precisa? As Nações Unidas têm mecanismos para fazer este trabalho?
KM: Com certeza. Antes de entrar numa comunidade fazemos uma avaliação rápida para saber quantas pessoas estão aqui, quantas foram atingidas, quantos homens, quantas mulheres, quantas crianças e que tipo de apoio é necessário. Logo em seguida, mandam-se os meios para dar a resposta. Mas nem sempre temos os mesmos mantimentos disponíveis. O ideal seria dar um pacote completo: a comida, a tenda, a purificação de água, os medicamentos. Mas nem sempre, em todos os lugares, há o pacote completo. É todo um trabalho de logística e organização que se deve fazer a nível operacional. Às vezes não temos os meios de transporte para ir a todas as localidades de uma vez.
DW África: No terreno, têm a perceção de alguma frustração, de desconfiança das pessoas em relação à forma como é feito o trabalho de distribuição? É algo que dificulta o trabalho do PAM?
KM: Nós estamos acostumados, fazemos emergências em muitos países. Não é uma coisa que não estamos acostumados a ouvir ou a lidar. Toda a resposta de emergência tem a sua fase inicial, que é complexa. Nós fazemos de tudo para fazer o nosso trabalho o mais eficientemente possível. É muita coordenação necessária, são muitos intervenientes. É preciso alguns dias para entrar tudo, encaixar tudo. Estamos a fazer um trabalho muito forte com o Governo e os parceiros para apoiar o maior número possível [de pessoas].
DW África: A curto prazo, quais são as prioridades?
KM: Antes de mais nada, água potável. A água suja traz muitos problemas de saúde. Segundo, a alimentação. Terceiro, medicamentos, materiais de abrigo. Numa segunda fase, sementes, estradas, reconstrução. Temos que ver tudo o que aconteceu e está a acontecer não só num prisma de um ou dois meses, mas num prisma um pouco mais longo, porque a recuperação vai ser necessária e vai levar mais tempo.