Cinema africano e "discriminação positiva", até quando?
8 de janeiro de 2021"AvóDezanove e o Segredo do Soviético" ganhou, em dezembro, o prémio de melhor filme no Black International Cinema Berlin. Foi o quarto prémio para a produção do moçambicano João Ribeiro, baseada na obra literária do angolano Ondjaki. As restantes distinções obteve em festivais do Quénia e Cabo Verde.
Conversámos com o realizador sobre o sucesso do filme, mas também sobre a marginalização do cinema africano nos considerados maiores festivais de cinema do mundo. João Ribeiro, em conversa com a DW África, articula sobre a "discriminação positiva" no cinema.
DW África: Este prémio foi uma boa forma de terminar um ano marcado pela pandemia da Covid-19?
João Ribeiro (JR): Sim, foi uma boa forma, porque ao fim e ao cabo são boas notícias. O filme é para a sala grande, infelizmente ele não teve muita exibição nesse tipo de sala. Os próprios festivais tiveram de dar uma volta grande, muitos não aconteceram, ou aconteceram tardiamente, tiveram de reduzir ou aumentar o número de filmes... Portanto, houve alterações na genése da organização dos festivais e isso "baralhou as cartas". Mas, numa resposta curta, claro que foi bom receber prémios uns atrás dos outros. Foram três festivais e quatro prémios, foi super para mim e para a equipa, principalmente porque seria difícil [vencer], porque é um filme com crianças, com um tema de família. Não é um filme de ação, portanto, não é fácil... E ter um filme nesses festivais é muito importante.
DW África: Para além da pouca exibição que mencionou, a pandemia prejudicou-o de outra forma? Por exemplo, em termos de contactos ou parcerias...
JR: Acho até que a esse nível houve uma espécie de ganho. Houve um aumento muito grande de contactos. Uma vez que o contacto físico e as viagens tornaram-se praticamente impossíveis, houve uma procura de encher espaço, de ter debate, levar às pessoas em casa diferentes formas de estarem em contacto com os artistas. Acho que esse contacto aumentou, houve uma procura grande, para que se participasse em "lives" e debates. Claro que o "network" presencial e a parceria feita olhando para a cara do outro e tocando na mão é diferente, mas obviamente que não me posso queixar.
DW África: Este prémio da Alemanha, dedicado ao cinema negro, é obviamente uma intenção de valorização desse cinema. Mas, por outro lado, isso não ajuda a perpetuar a discriminação?
JR: Acho que sim, é um jogo do gato e rato. Temos discriminação positiva, um princípio usado hoje pela sociedade, quando se fala da mulher, de pessoas com certas deficiências, quando se fala da cor, etc. E é um fator assumido. Se isso vai resolver o problema da discriminação negativa, caberá aos sociólogos e políticos encontrar essa solução. Nós, como parte da sociedade, sentimos isso todos os dias e de diferentes formas. A discriminação existe no nosso meio. E tudo o que sirva para diminuir o fosso é importante, formam-se nichos; é um festival para um nicho, para mulheres ou para crianças. Mas também, se não for isso, esses temas e essas oportunidades não acontecem. Há esse fator negativo, toda a moeda tem duas faces, e essa é a outra face.
DW África: Acha que é por isso que os cineastas africanos estão cada vez mais a promover os seus próprios festivais? Seriam uma alternativa à aparente discriminação?
JR: Acho que sim, acho que há uma procura por esse espaço, e os países também encontram neles formas de se alavancarem. A cultura é um aspeto importante de desenvolvimento social e infelizmente nem todos os países africanos dão o devido destaque a isso. Por exemplo, em Moçambique, esse sucesso do filme tem tido grande destaque, porque acho que estamos todos à procura de notícias positivas, estamos todos à procura de fatores que nos mobilizem a fazer mais e melhor. Temos de andar para frente e essas notícias caem bem. E tem havido esse aproveitamento deste tipo de notícia, para se dar a conhecer. Isso é bom, porque nos dá visibilidade e põe a cultura noutro nível, e acho que os países africanos estão cada vez mais a ver isso...