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CIP alerta para "sofisticação da fraude" em Moçambique

Maria João Pinto
26 de novembro de 2018

Repetição da eleição municipal em Marromeu, que deu a vitória à FRELIMO, fica marcada por fortes indícios de fraude. CIP deixa o alerta: o caminho está livre para o mesmo cenário nas eleições gerais em 2019.

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Mosambik Wiederholung der Wahlen in Marromeu
Foto: DW/A. Sebastião

A RENAMO, principal força da oposição em Moçambique, já disse que vai recorrer dos resultados da eleição de quinta-feira (22.11) na autarquia de Marromeu, em que a FRELIMO, partido no poder, foi considerada vencedora, segundo os resultados preliminares. A votação foi considerada "grosseiramente fraudulenta" por organizações da sociedade civil e observadores internacionais.

Os observadores registam divergências profundas entre as contagens oficial e paralela, acusam a polícia e os órgãos eleitorais de manipulação das urnas e afirmam que a oposição foi impedida de contestar os resultados.

A repetição dos problemas que tinham levado à invalidação das autárquicas na vila de Marromeu tem uma explicação simples, a impunidade quando são praticadas fraudes eleitorais, diz o Centro de Integridade Pública, na voz do investigador Borges Nhamire entrevistado pela DW África.

DW África: Estamos a falar de uma votação que vem, por ordem do Conselho Constitucional, substituir uma outra invalidada por irregularidades, a 10 de outubro. Como se explica a repetição dessas mesmas irregularidades, ou mesmo questões mais graves como as que têm sido apontadas?

Borges Nhamire (BN): Explica-se por causa da impunidade. Os agentes que praticam a fraude têm a certeza que estarão impunes, que nada lhes vai acontecer. Quando há impunidade, eles sentem-se à vontade para voltar a praticar mais fraudes. Em segundo lugar, porque o Conselho Constitucional e a Comissão Nacional de Eleições e, de alguma forma, a direção do partido, FRELIMO, legitima este acontecimento pelo silêncio. Nunca ouvimos ninguém na FRELIMO, uma figura sénior, a condenar estas irregularidades praticadas pelos seus membros, desde os atos de violência até às fraudes flagrantes a que assistimos não só em Marromeu, mas em cerca de seis ou sete municípios nas eleições autárquicas de 10 de outubro. Quando é assim, eles sentem-se muito à vontade, porque não haverá responsabilização, antes pelo contrário, as pessoas que fazem isso são elogiadas.

DW África: Se estes casos passarem novamente impunes, podemos dizer que há uma certa "licença" para manipular processos eleitorais em Moçambique? Com as presidenciais previstas para o próximo ano, será que há caminho livre para que aconteça a mesma coisa?

BN: Sim. Achamos que há caminho livre para acontecer o mesmo, porque é como temos vindo a dizer desde o início deste processo eleitoral: essas eleições municipais funcionam como um teste de todos os agentes para as eleições gerais do próximo ano. Neste ano, tivemos cerca de 3 milhões de pessoas, mas no próximo ano vamos ter muito mais, cerca de 12 milhões. Isto foi só um teste, teste aos partidos, teste aos órgãos eleitorais, sociedade civil, imprensa, para ver se estamos preparados para uma eleição. E parece que o teste provou que estamos preparados para cometer fraudes, mas mais do que isso, está também a haver uma certa tolerância porque ninguém está a condenar.

A sociedade civil está apática, a comunidade internacional não diz nada, a direção da FRELIMO não está a dizer nada, o Conselho Constitucional não diz nada e quando falo da sofisticação da fraude, com um pouco mais de arrogância, é porque no passado a fraude era feita nas mesas de voto, os membros das mesas eram subornados e orientados para inutilizarem os votos da oposição, permitirem o enchimento das urnas, mas, agora, a fraude é feita a um nível mais alto, nas comissões - que simplesmente forjam os resultados.

Marromeu: mais uma eleição com fortes indícios de fraude

DW África: E quando acontecem estas questões e a oposição vê-se, por exemplo, impedida de contestar, o que é que se pode fazer quando as próprias autoridades parecem coniventes com esse tipo de prática? A quem se pode recorrer?

BN: Não se pode recorrer a ninguém, porque são fraudes cometidas pelo Estado, a diferentes níveis. A partir da Assembleia da República, que aprova uma legislação muito complexa e com artimanhas ou ratoeiras para paralisar a oposição. Hoje, são os agentes eleitorais que fazem tudo para cometerem fraudes e quando vão aos tribunais estes têm orientação para não julgarem o mérito das questões levantadas, rejeitarem com base nas formalidades legais. Depois, passa para o Conselho Constitucional, que simplesmente não mexe nos assuntos ou, quando mexe, mantém as decisões tomadas pelos tribunais na primeira instância. E quando é assim, uma fraude organizada e cometida pelo Estado, não se pode recorrer a ninguém, porque ninguém pode lutar contra o Estado.

DW África: Há pouco falava desta passividade da sociedade civil e também da comunidade internacional...críticos dizem que a comunidade internacional está mais preocupada com os investimentos no gás e nos recursos minerais do que propriamente na democracia e na boa governação. Concorda?

BN: Concordo plenamente, porque já tivemos no passado, quando Moçambique não tinha esse boom de recursos, uma comunidade internacional muito interventiva. Os moçambicanos não pagam impostos para o Estado funcionar. O Estado vinha funcionando com doações da comunidade internacional. Sendo o cidadão não contribuinte, não tem legitimidade para falar. Quem tinha legitimidade  para falar em nome dos moçambicanos era a comunidade internacional, mas, nos últimos tempos, essa comunidade internacional calou-se sobre as dívidas, não quer saber nada sobre a reestruturação da própria dívida, ninguém condena a fraude nas eleições e este ano, para além das fraudes, houve muita violência. Esta comunidade internacional está muito engajada em fazer negócios e não mais em defender a democracia e a boa governação em Moçambique.

DW África: Que empurrão falta então à sociedade civil para levantar a sua voz para contestar esta questão?

BN: Penso que para a sociedade civil, que sempre contou com muitos apoios da comunidade internacional, talvez tenha chegado o momento dela própria descobrir que já não tem tanto apoio da comunidade internacional. Deve tentar reinventar-se para ser uma voz mais audível. Moçambique é um país atípico, onde as pessoas são ameaçadas, são reprimidas, não há marcha possível a não ser que seja para saudar o Presidente da República. Face a tudo isso, algumas pessoas vão-se desmobilizando aos poucos. Outras vão continuar a luta, mesmo que nada mude, pelo menos fica registado para as gerações vindouras que algumas pessoas lutaram contra a governação que se está a instalar em Moçambique.

DW África: A repetição da votação em Marromeu não serviu de nada?

BN: Penso que serviu para as pessoas tirarem as dúvidas e constatarem que o que acontece em Moçambique é uma farsa e que não são eleições. Serviu também para - e pela última vez - ser dada uma oportunidade ao Conselho Constitucional de ser verdadeiramente um órgão jurisdicional. Serviu para aqueles que ainda acreditam um pouco na boa fé das pessoas não pensarem mais desta forma. Não era possível em oito mesas cometer fraudes sem que as pessoas vissem. Foi tudo tão escandaloso e visível para todas as pessoas. Mas é assim que se ganham as eleições em Moçambique. Tudo isso serviu de lição para as pessoas perceberem que não há aqui boa fé nem boa vontade para fazer com que as coisas mudem.

 

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