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"Começamos a questionar as intenções da União Europeia"

Neusa e Silva
7 de dezembro de 2022

Conselho Europeu anunciou apoio de 20 milhões de euros ao Ruanda para ajudar a combater o terrorismo em Cabo Delgado. À DW, analista defende que apoio devia ser dado à vítima, Moçambique.

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Filipe Nyusi e Paul Kagame destacam esforços no combate ao terrorismo Foto: Simon Wohlfahrt/AFP/Getty Images

O Governo de Moçambique e a União Europeia (UE) reafirmaram recentemente o compromisso "de uma parceria profunda", com destaque para "o reforço do diálogo político, tendo em conta a posição de Moçambique como membro não-permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas".

É um reforço de parceria que acontece numa altura em que o Conselho Europeu anunciou um apoio de 20 milhões de euros às Forças de Defesa do Ruanda para ajudar a combater o terrorismo na província moçambicana de Cabo Delgado, que combatem a insurgência armada na província ao lado das tropas moçambicanas. 

O chefe de Estado do Ruanda, Paul Kagame anunciou na última quarta-feira o envio de mais tropas para combater a insurgência em Cabo Delgado e justificou o financiamento com o facto de, até então, "nem um único país ou organização" ter apoiado a operação do Ruanda na província.

Em entrevista à DW, o especialista em Relações Internacionais Rufino Sitoe questiona porque é que os 20 milhões não foram alocados diretamente ao Estado moçambicano, que está a ser vítima da violência.

Rufino Sitoe | Author Buch Terrorism in Africa
Analista e especialista em Relações Internacionais, Rufino SitoeFoto: Privat

DW África: Porquê 20 milhões para o Ruanda e não para Moçambique?

Rufino Sitoe (RS): Obviamente que o Ruanda também não vai estar a alocar as forças a custo zero, mas começamos a nos perguntar porque que estes recursos não estão a ser alocados diretamente para o Estado que está a ser vítima do conflito, sobretudo num contexto em que o nosso chefe de Estado já apareceu publicamente a solicitar apoio e material para o conflito.

Há uma carência sob o ponto de vista da capacidade diagnosticada das nossas Forças de Defesa e Segurança, e esta carência ainda não foi suprida, mas já está a ser drenado apoio a um outro parceiro que não está a ser afetado pelo conflito e está simplesmente a prestar um papel de apoio. Então, começamos a entrar, mais ou menos, neste jogo de suspeição e começamos inclusive a questionar as intenções da União Europeia ao prestar este tipo de apoio.

DW África: O que pode significar este financiamento dirigido diretamente ao Ruanda para a manutenção de todas as forças no terreno?

RS: Primeiro, fica aquele sentimento de que há uns que estão a ser mais beneficiados do que os outros, que há quem está a ser privilegiado neste conflito. E depois fica também esse sentimento de alienação, porque nós estamos a lutar por isso e fica a parecer que alguém está a tirar benefícios - e na verdade alguém já está a tirar um benefício claro, não é apenas aparência.

Então, do ponto de vista de motivação das forças no terreno, mesmo para as forças nacionais, fica a impressão de que há forças muito privilegiadas e há forças totalmente desconsideradas.

Feierlichkeiten zum Tag der Streitkräfte in Mosambik
Forças de Defesa do Ruanda combatem a insurgência armada em Cabo Delgado ao lado das tropas moçambicanasFoto: Estácio Valoi/DW

DW África: Acha que este financiamento diretamente para as forças de defesa do Ruanda pode beliscar as relações de Moçambique com a União Europeia?

RS: Há algum nível de suspeita nestas relações, sobretudo levantando o ponto que disse anteriormente, sobre o Estado moçambicano ter pedido apoio direto à União Europeia para ajudar com outros meios de combate. Portanto, ficam as questões: porque é que está a ser mais relevante apoiar este parceiro? Que negociação direta têm com este parceiro, estando se calhar o Estado moçambicano alheio a este processo negocial, mas sob questões que dizem respeito ao Estado moçambicano?

DW África: Isto acontece também semanas antes de Moçambique assumir o seu lugar rotativo no Conselho de Segurança das Nações Unidas, e é a voz de África no que concerne a segurança…

RS: Eu penso que, pelo menos, afeta o exercício da própria autoridade moçambicana. Era até mais conveniente drenar apoio a este país que tem um assento no Conselho de Segurança das Nações Unidas.

Artigo atualizado às 15:55 (CET) de 7 de dezembro de 2022.

Mulheres soldado ruandesas em Moçambique