"Começamos a questionar as intenções da União Europeia"
7 de dezembro de 2022O Governo de Moçambique e a União Europeia (UE) reafirmaram recentemente o compromisso "de uma parceria profunda", com destaque para "o reforço do diálogo político, tendo em conta a posição de Moçambique como membro não-permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas".
É um reforço de parceria que acontece numa altura em que o Conselho Europeu anunciou um apoio de 20 milhões de euros às Forças de Defesa do Ruanda para ajudar a combater o terrorismo na província moçambicana de Cabo Delgado, que combatem a insurgência armada na província ao lado das tropas moçambicanas.
O chefe de Estado do Ruanda, Paul Kagame anunciou na última quarta-feira o envio de mais tropas para combater a insurgência em Cabo Delgado e justificou o financiamento com o facto de, até então, "nem um único país ou organização" ter apoiado a operação do Ruanda na província.
Em entrevista à DW, o especialista em Relações Internacionais Rufino Sitoe questiona porque é que os 20 milhões não foram alocados diretamente ao Estado moçambicano, que está a ser vítima da violência.
DW África: Porquê 20 milhões para o Ruanda e não para Moçambique?
Rufino Sitoe (RS): Obviamente que o Ruanda também não vai estar a alocar as forças a custo zero, mas começamos a nos perguntar porque que estes recursos não estão a ser alocados diretamente para o Estado que está a ser vítima do conflito, sobretudo num contexto em que o nosso chefe de Estado já apareceu publicamente a solicitar apoio e material para o conflito.
Há uma carência sob o ponto de vista da capacidade diagnosticada das nossas Forças de Defesa e Segurança, e esta carência ainda não foi suprida, mas já está a ser drenado apoio a um outro parceiro que não está a ser afetado pelo conflito e está simplesmente a prestar um papel de apoio. Então, começamos a entrar, mais ou menos, neste jogo de suspeição e começamos inclusive a questionar as intenções da União Europeia ao prestar este tipo de apoio.
DW África: O que pode significar este financiamento dirigido diretamente ao Ruanda para a manutenção de todas as forças no terreno?
RS: Primeiro, fica aquele sentimento de que há uns que estão a ser mais beneficiados do que os outros, que há quem está a ser privilegiado neste conflito. E depois fica também esse sentimento de alienação, porque nós estamos a lutar por isso e fica a parecer que alguém está a tirar benefícios - e na verdade alguém já está a tirar um benefício claro, não é apenas aparência.
Então, do ponto de vista de motivação das forças no terreno, mesmo para as forças nacionais, fica a impressão de que há forças muito privilegiadas e há forças totalmente desconsideradas.
DW África: Acha que este financiamento diretamente para as forças de defesa do Ruanda pode beliscar as relações de Moçambique com a União Europeia?
RS: Há algum nível de suspeita nestas relações, sobretudo levantando o ponto que disse anteriormente, sobre o Estado moçambicano ter pedido apoio direto à União Europeia para ajudar com outros meios de combate. Portanto, ficam as questões: porque é que está a ser mais relevante apoiar este parceiro? Que negociação direta têm com este parceiro, estando se calhar o Estado moçambicano alheio a este processo negocial, mas sob questões que dizem respeito ao Estado moçambicano?
DW África: Isto acontece também semanas antes de Moçambique assumir o seu lugar rotativo no Conselho de Segurança das Nações Unidas, e é a voz de África no que concerne a segurança…
RS: Eu penso que, pelo menos, afeta o exercício da própria autoridade moçambicana. Era até mais conveniente drenar apoio a este país que tem um assento no Conselho de Segurança das Nações Unidas.
Artigo atualizado às 15:55 (CET) de 7 de dezembro de 2022.