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Comissão da ONU investiga abusos na República Centro Africana

Simone Schlindwein / António Cascais / Agências11 de março de 2014

O grupo começou esta terça-feira (11.03) a investigar as violações dos direitos humanos na República Centro Africana (RCA) desde o início de 2013, tendo como mandato “travar todos os avanços em direção a um genocídio”.

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Foto: F.Daufour/AFP/GettyImages

“A minha experiência do Ruanda mostrou-me que um genocídio começa sempre com a propaganda a incitar ao ódio”, declarou o líder da comissão de inquérito, Bernard Acho Muna, citado pelo jornal regional suíço La Côte.

“Esperamos que a nossa presença e o facto de investigarmos constituam um sinal para que as pessoas que organizam a propaganda não passem à ação", acrescentou o advogado dos Camarões, que já foi procurador-chefe adjunto para o Tribunal Penal Internacional para o Ruanda.

Na segunda-feira (10.03), o assessor especial da ONU para a prevenção do genocídio, Adama Dieng, também alertou para a possibilidade de um extermínio em massa na RCA.

Genf - Bernard Acho Muna
Bernard Acho Muna, advogado dos Camarões, lidera a comissão da ONU enviada à RCAFoto: Getty Images

“A espiral de violência que tomou conta do país e, sobretudo, o facto de as pessoas estarem a ser mortas apenas devido à sua religião, fazem-me recear que possa ocorrer outro genocídio em África”, afirmou em conferência de imprensa.

A comissão com mandato do Conselho de Segurança da ONU integra também o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros mexicano Jorge Castaneda e a advogada de direitos humanos da Mauritânia Fatimata M'Baye.

Durante a missão de duas semanas, além de passar três dias na capital, Bangui, a comissão tem previstas deslocações a outras zonas do país. Um primeiro relatório deverá ser entregue ao Conselho de Segurança das Nações Unidas em junho.

Mais que uma “guerra entre muçulmanos e cristãos”

A violência sectária na RCA já fez milhares de mortos e centenas de milhares de deslocados. O conflito é normalmente descrito como guerra “entre muçulmanos e cristãos”. Porém, o caso é mais complexo que isso: o conflito começou com uma disputa pelos recursos do país. Os muçulmanos sempre foram uma minoria que vivia no norte do país, bem longe da capital, Bangui, no sul.

No ano passado rebeldes muçulmanos tomaram o poder à força e começaram a maltratar a população cristã. Foi então que os cristãos formaram grupos que, por sua vez, cometeram atrocidades contra muçulmanos.

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A Mesquita de Ali Babolo é uma das três últimas mesquitas em Bangui que ainda não foram destruídas. Centenas de homens vem aqui todos os dias para rezar. Um helicóptero sobrevoa a área. Uma área perto do aeroporto, outrora com muito movimento, mas agora deserta e destruída.

Aqui viviam muitos muçulmanos centro-africanos, mas também estrangeiros do Chade ou do Sudão. Depois surgiram os ataques das milícias cristãs, dos denominados “anti-balaka”, e agora está tudo praticamente em ruínas. A violência foi muita: houve gente que foi esquartejada, queimada, houve mesmo casos de canibalismo. Muita gente fugiu.

“Temos medo. Estou mesmo em baixo, emagreci muito. Temo pela minha segurança. Somos todos centro-africanos, mas agora só nos resta esconder. Temos que fugir todos. O que fazer aqui, se nem sequer as lojas existem?”,interroga-se Nassour Brahim, um dos que ficaram.

“Eu também já fiz as minhas malas. Mas este país sem nós muçulmanos não tem futuro. Éramos nós que dominávamos o comércio. É de nós que depende a economia”, relata.

Espiral de violência

Os muçulmanos constituem uma minoria de 10% da população. Mas eram de facto muito influentes em termos económicos. Controlavam todo o comércio, com destaque para ao comércio dos diamantes.

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Mesquita destruída em BanguiFoto: DW/S. Schlindwein

Tinham o poder económico, mas não tinham qualquer poder político na capital de Bangui. Isso mudou radicalmente depois do golpe em março de 2013 contra o Presidente François Bozizé, perpetrado pelas milícias muçulmanas Séléka. Muitos dos antigos membros do Governo foram executados.

O xeique Mahamoud Awadalkarim lembra que foi uma autêntica espiral de violência. Depois vieram os anti-balaka cristãos que, por sua vez, executaram muitos muçulmanos. Muitos dos corpos ainda nem sequer foram enterrados de forma definitiva. Nem sequer houve tempo para organizar funerais, lembra o xeique muçulmano.

“Algumas famílias que ainda por cá ficaram enterraram os corpos nos seus jardins. Outras famílias fugiram e abandonaram os cadáveres antes de serem enterrados. Muitos dos corpos ficaram por aqui. A cruz vermelha tenta recolher os corpos, mas tudo leva o seu tempo. O nosso cemitério muçulmano fica a três quilómetros daqui. Mas não é seguro ir lá”, conta.

Jovens em situação dramática

A alguns quilómetros de distância encontra-se a igreja católica do padre Blaize Kongomatchi. Este padre de 40 anos de idade é uma figura que goza de muito respeito por parte dos jovens, numa altura muito difícil, em que as escolas e universidades se encontram encerradas.

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Missa dominical numa igreja da capital da RCAFoto: DW/S. Schlindwein

“A situação dos jovens é dramática. Os políticos não se ocupam deles. Eles não têm futuro”, lamenta. O desemprego no país é muito alto e não há escolas, nem formação profissional. “É, portanto, muito fácil de manipular essas pessoas. Nós como igreja temos que apelar ao desarmamento, sobretudo dos corações. Mas não é fácil combater o ódio”, conta o padre.

Os representantes máximos das duas religiöes - o arcebispo de Bangui e o mais alto xeique muçulmano cumprimentaram-se há dias na capital da RCA. O seu sonho é provar que é possível o convívio pacífico entre representantes de ambas as religiões.

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