Comunidade internacional entregou a Guiné "à própria sorte"
11 de dezembro de 2023A resposta da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) à atual crise na Guiné-Bissau tem sido demasiada vaga. A crítica é do vice-presidente da Liga Guineense dos Direitos Humanos.
Em entrevista à DW, o jurista Bubacar Turé considera que a organização, que este domingo (10.12) esteve reunida em Abuja, "perdeu a oportunidade de cumprir a sua missão".
Na cimeira, que contou com a presença do Presidente Umaro Sissoco Embaló, a CEDEAO expressou solidariedade com o povo guineense e criticou mudanças de Governo inconstitucionais. Mas nada disse sobre a dissolução do Parlamento do país, no passado dia 4 de dezembro.
Bubacar Turé também não poupa críticas ao silêncio e "omissão" da restante comunidade internacional.
DW África: Acha que a resposta da CEDEAO à situação da Guiné-Bissau foi demasiado vaga?
Bubacar Turé (BT): Sim, eu acho que a CEDEAO perdeu a oportunidade, mais uma vez, de cumprir a sua missão de organização sub-regional, que tem como um dos seus princípios fundamentais a democracia e o Estado de Direito. O comunicado final é vago, lacónico e inconsequente. Não resolve nenhum problema. Pelo contrário, o país vai continuar mergulhado nesta crise política que, infelizmente, vai ter consequências imprevisíveis ao nível político, económico e social.
DW África: Acha que o Presidente saiu com a moral reforçada deste encontro? Umaro Sissoco Embaló anunciou que até esta terça-feira deverá indicar um novo primeiro-ministro para formar Governo…
BT: Para mim, é irrelevante se saiu reforçado. O importante é que todos os titulares e órgãos de soberania devem perceber, de uma vez por todas, que a lei deve ser o critério limite e o fundamento de atuação de todos. Portanto, quando a Constituição da República proclama a Guiné-Bissau como um Estado de Direito democrático, a atuação de todos deve estar subordinada à Constituição e demais leis em vigor no país. Infelizmente, não é o que está a acontecer. É por isso que a Guiné-Bissau está nesta situação difícil, que vai continuar, ao que tudo indica.
DW África: Portanto, concorda com os especialistas que defendem que o Supremo Tribunal de Justiça da Guiné-Bissau tem obrigação de declarar inconstitucional e inválida a dissolução do Parlamento?
BT: Sim, é o que se espera. O Supremo Tribunal deve, nos termos previstos na Constituição, pronunciar-se sobre este assunto e, na nossa perspetiva, declarar o decreto [presidencial] inconstitucional. Aliás, o próprio Presidente da República reconhece que a Constituição prevê limites temporais para a dissolução da Assembleia Nacional Popular. Resta saber se o Supremo Tribunal vai cumprir a sua missão constitucional de administrar a justiça em nome do povo.
DW África: O líder do Parlamento, Domingos Simões Pereira, desafiou a decisão do Presidente e anunciou que vai retomar a sessão plenária na quarta-feira. Que cenário se avizinha? Qual é o ambiente que se vive neste momento em Bissau?
BT: A resistência contra medidas ilegais é um direito fundamental que assiste a todos os cidadãos, independentemente de serem responsáveis políticos ou titulares de órgãos de soberania. Eu duvido que esta sessão ocorra, mas é o procedimento que deve ser adotado por todos - resistir contra aquilo que consideramos ilegal e inconstitucional.
DW África: Acha que, face à situação que se vive na Guiné-Bissau, também a comunidade Internacional tem reagido de forma vaga à situação?
BT: Nos últimos três anos, tem havido uma espécie de unanimidade da parte da comunidade Internacional em abandonar a Guiné-Bissau, entregando-a à sua própria sorte. É incrível os acontecimentos, as violações dos direitos humanos ou os atropelos à legalidade que têm acontecido e que não tiveram uma reação. Toda a comunidade internacional manteve-se e continua em silêncio. Os pronunciamentos que temos ouvido são posições lacónicas, vagas e que não resolvem nenhum problema. E isso compromete os valores e os princípios que estas organizações internacionais dizem que promovem. Nós lamentamos bastante esta omissão da comunidade Internacional.
Tudo indica que isso não é um problema exclusivo da Guiné-Bissau. Se observarmos o retrocesso no que concerne aos indicadores democráticos, sobretudo na África Ocidental, e aquilo que tem sido o papel da comunidade Internacional, é sinceramente de lamentar.