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Dos Santos é comparado a Salazar

2 de setembro de 2012

Em entrevista exclusiva à DW África, o ex-primeiro ministro angolano, Marcolino Moco, compara o regime angolano à era política de Salazar e Caetano em Portugal. A vitória do MPLA é injusta, defende.

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Marcolino Moco dá entrevista à DW
Marcolino Moco dá entrevista à DWFoto: António Cascais

Antes mesmo das eleições em Angola acontecerem, na sexta feira (31.08), o ex-primeiro ministro angolano, Marcolino Moco, assim como muitos outros, já consideravam inevitável a vitória, à primeira volta, do partido no poder.

E foi o que aconteceu. Com 84,7 por cento dos boletins apurados, o MPLA (Movimento pela Libertação de Angola) vence o escrutínio com 72,85 por cento dos votos. Indiretamente, José Eduardo dos Santos é eleito Presidente da República.

O ex-primeiro-ministro angolano, Marcolino Moco, comentou, em exclusivo, para a DW, as eleições angolanas de 2012.

DW África: É considerado um dos maiores críticos do Presidente José Eduardo dos Santos. Concorda com esta definição?

Marcolino Moco: Eu tenho escrito muito sobre aquilo que eu chamo de "regime angolano". Alguns dizem erradamente que eu sou crítico do governo, mas eu só tenho feito observações que eu julgo pertinentes em relação ao tipo de regime que Angola tem.

Marcolino Moco enumera razões porque o escrutínio não foi justo
Marcolino Moco enumera razões porque o escrutínio não foi justoFoto: António Cascais

Angola não é um regime de partido único, como alguns dizem. Mas também não é um regime democrático. Se olharmos para a Constituição de 2010, e os poderes que são entregues a um Presidente da República, que nem é eleito separadamente, estamos perante um regime anómalo. E esta anormalidade sente-se, sobretudo, no dia a dia.

O Presidente da República é praticamente o dono o país. Nessas circunstâncias, nunca pode haver eleições livres. É como se no tempo de Salazar e de Marcelo Caetano fosse possível haver eleições livres.

A única diferenca é que o regime de Salazar e de Caetano não era corrupto. Mas em Angola não há processos, o Presidente toma conta dos meios de comunicação. Não só os controla, como os entrega aos próprios filhos. O Presidente angolano compra todos os meios de comunicação e cria outros. Ele também impede a Rádio Eclésia de funcionar em todo o país e os senhores bispos e a Igreja aceitam esta situação. Só por isso, sem considerar os mecanismos eleitorais, já temos um quadro no qual não é possível haver eleições livres e transparentes.

DW África: Cabe também à oposição angolana uma certa responsabilidade por ter deixado que, por exemplo, as alterações constitucionais acontecessem ou é responsabilidade do regime?

Marcolino Moco: Em primeiro lugar, a responsabilidade é do regime. E quando se fala em regime, se fala em José Eduardo dos Santos. Hoje ele é o responsável por colocar o país numa situação anómala.

O próprio MPLA (partido no poder) não governa nada. A responsabilidade cai sobre o Presidente também porque ele se apoderou de todos os meios possíveis: dinheiro, meios de divulgação, etc. Se apoderou de tal modo que é muito difícil os outros partidos políticos poderem reagir.

Vitória do MPLA já está na capa de todos os jornais
Vitória do MPLA já está na capa de todos os jornaisFoto: António Cascais

Mas em termos de responsabilidade, no sentido mais amplo, há mais responsáveis: a sociedade como um todo, que vai se deixando adormecer, e a elite angolana. No dia das eleições, os "comentadores" políticos continuaram a fazer campanha para o José Eduardo dos Santos. E há os nossos jovens inteligentes e estudiosos, mas completamente "anestesiados", nem sei bem porquê.

Outra culpa cai sobre a comunidade internacional que devido à crise faz o mesmo que a China: esquecer a democracia. Como a União Europeia e Portugal permitem que a filha de um Presidente compre bancos e companhias petrolíferas em Portugal? Agora fala-se até da possível compra da RTP por parte de Angola. Como é possível olhar para isso e dizer que está tudo bem, em Angola?

José Eduardo dos Santos já deveria ser mais moderno. Um homem que se permite a ser o segundo Presidente mais antigo de África, com 33 anos de poder efetivo, e com 70 anos de idade que se candidata novamente, só isso já é uma anormalidade.

DW África: Na quinta feira (30.08), alguns cidadãos foram presos depois de tentarem protestar junto da Comissão Nacional Eleitoral. O que tem a comentar?

A CNE anuncia a vitória do MPLA
A CNE anuncia a vitória do MPLAFoto: António Cascais

Marcolino Moco: Tudo cabe na análise geral que eu fiz. Estamos a organizar eleições em meio a situações anormais. Se estas eleições fossem confiáveis, nunca haveria tentativas de manifestação.

Há uma série de atitudes da Comissão Nacional Eleitoral, que conhecemos. Um exemplo são as interferências diárias da Casa Militar. Os partidos políticos também sabem disso. E as respostas são as prisões. Estamos a viver esse regime insuportável.

Autor: António Cascais, de Luanda (Angola)
Edição: Bettina Riffel/Cristina Krippahl

entrevista Marcolino Moco para o site - MP3-Mono