Contradições na FRELIMO: Divisão ou estratégia?
25 de fevereiro de 2015Por um lado, o Presidente da República, Filipe Nyusi, que também é membro da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), partido no poder, mostra-se aberto ao diálogo com o líder da Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), Afonso Dhlakama, sobre uma governação autónoma das províncias.
Por outro lado, membros seniores da FRELIMO fazem campanha contra a ideia de governação autónoma nas províncias promovida pela RENAMO, o principal partido da oposição.
A situação parece legitimar as previsões de analistas de que Filipe Nyusi não teria, realmente, voz de comando na condução dos destinos do país.
Porém, o analista político Calton Cadeado discorda, justificando que é uma estratégia da FRELIMO para suplantar a RENAMO. Em entrevista à DW África, o especialista explica este "comportamento paradoxal" da FRELIMO.
DW África: Que interpretação faz deste comportamento paradoxal no seio da FRELIMO?
Calton Cadeado (CC): Acredito que é uma estratégia do partido, que aos olhos da comunidade mostra uma dissonância. Mas, no fundo, há uma consonância entre o partido e o presidente. A meu ver, a FRELIMO confia na RENAMO, mas com muitas reservas. É a teoria de "confiar desconfiando". Principalmente porque a RENAMO já deu mostras de que tem um discurso incoerente.
A FRELIMO está a usar cautela e pragmatismo para não ser surpreendida com as mudanças repentinas de posicionamento da RENAMO. Acho também que estamos perante uma situação em que a FRELIMO quer coordenar duas estratégias: a estratégia de "stick and carrot" [bastão e cenoura] e a estratégia de promessas e ameaças também, para se posicionar firmemente em relação ao ponto que a FRELIMO acredita não passar de um pretexto para chegar à divisão do país.
DW África: Muitos analistas acreditavam que o novo Presidente de Moçambique seria apenas uma espécie de símbolo, pois na verdade outras figuras do partido iriam dirigir o país nos bastidores. O atual caso é prova disso?
CC: Eu acho que não. A FRELIMO e o Presidente, parece-me, estão numa consonância de estratégias para colocar o Presidente na ideia do "softpower". Esta ideia de "softpower" é entregue ao Presidente, que tem de ser cogitado com uma boa imagem, e a ideia do "hardpower" tem que ser entregue ao partido, que é onde reside a figura de Filipe Nyusi como Presidente neste momento.
Parece-me que esta é uma estratégia pensada, que tem que ver com a teoria da utilização de diferentes componentes de poder, como forma de proteger o Presidente até de qualquer eventual estratégia de ameaça que a RENAMO vai usar.
É bom não perdermos de vista que a RENAMO e a sociedade estão a pedir que a FRELIMO use uma política muito idealista, mas ao mesmo tempo a RENAMO não abandona a política realista. Isso funciona muito com acções subterrâneas, até de maquiavelismo político. Acho que é um assunto de proteção do chefe de Estado, para que este não tome posições populistas, precipitadas e até com teor de ingenuidade.
Permita-me que use este exemplo: se um ladrão me engana duas vezes da mesma forma, se ele me conseguir enganar uma terceira vez da mesma forma, está visto que ele me vai considerar ingénuo e vai abusar sempre dessa prorrogativa de poder para me enganar. Parece-me que a FRELIMO já aprendeu esta lição nas várias vezes que a RENAMO a enganou. Enquanto dizia algumas coisas por cima do pano, ao mesmo tempo, por baixo do pano, ia fazendo as suas críticas e tentativas de ameaça, ameaças concretas e até alguma má fé.
DW África: Esta dualidade de comportamentos põe em causa a figura do Presidente de Moçambique. Acha que está na hora de Filipe Nyusi tomar a cadeira do partido FRELIMO?
CC: Estou à espera de ver na FRELIMO aquilo que já estamos a conseguir ver. Pode ser que neste momento esteja a ser ensaiado um modelo de governação na FRELIMO. É uma percepção, uma especulação que ainda está a ser testada. Se sim, tem que assumir o poder dentro do partido. A tradição mostra que tem de ser assim.
Mas como estamos habituados a isto, se calhar está a ser ensaiada uma mudança agora. Estamos todos à espera de ver a rotina, não queremos assumir a mudança. No seu discurso, o chefe de Estado diz que temos de estar preparados para a mudança. Não sei se essa mudança não inclui também esta questão que está a ser vivida agora.