Corpo Africano criado pela Rússia é concorrência à AFRICOM?
13 de fevereiro de 2024A recente criação russa Corpo Africano já está a substituir o Grupo Wagner no continente africano. E a concorrência com a AFRICOM dos Estados Unidos da América "não é de agora", explica José Milhazes em entrevista à DW África.
O especialista em relações Rússia-África considera que a disputa geopolítica entre os dois gigantes mundiais no continente pode ser vantajosa para os países africanos, alargando-lhes o leque de escolhas de parceiros, se as lideranças locais souberem distanciar-se da corrupção.
Segundo Milhazes, essa fragilidade é um atrativo para países como a Rússia que não privilegiam valores, mas sim os seus próprios interesses.
DW África: Há concorrência entre os dois grupos em África?
José Milhazes (JM): Claro, essa concorrência já não é de agora e esse corpo militar não passa, no fim de contas, de um nome novo que é dado à Wagner, porque a Wagner foi proibida na Rússia, mas continua a existir, principalmente como força, desta vez já controlada pelas autoridades russas em África. E nos últimos anos, esse corpo tem alargado as suas operações a várias regiões da África subsariana. E, no fundo, esse corpo é uma tentativa da Rússia se impor no chamado sul, ou seja, em África neste caso, por enquanto, aproveitando o facto de França se estar a retirar devido à pressão de alguns dirigentes africanos. E sempre que aparece uma oportunidade em África, esse corpo militar vai intervir, ou intervém já, para que não fique o lugar vazio.
DW África: O alargamento deste leque de opções representa uma vantagem para os africanos, na medida em que eles podem escolher os parceiros com quem é conveniente trabalhar?
JM: Em princípio, é assim e os africanos ficam com poder de escolha. Eu até diria principalmente, que nestes casos, com grupos deste tipo, venha o diabo e escolha, porque nós sabemos que esta gente é fundamentalmente mercenária, que não tem em conta os interesses dos Estados, tem em conta os seus interesses. E daí que às vezes seja perigoso trazer esta gente para dentro do país, porque esta gente depois também se vai envolver fortemente na luta política interna dentro desse próprio país.
DW África: Mas não tem sido prática da Rússia envolver-se em assuntos internos de outros países, como, por exemplo, faz o Ocidente.
JM: A Rússia digamos que faz essa política, pode é não fazê-la de forma aberta.
DW África: E não na mesma dimensão.
JM: Claro que não. Porque primeiro, a Rússia está com uma guerra em casa e um dos principais objetivos é derrotar a Ucrânia. Digamos que a Rússia está a regressar a África, no fim de contas. Agora, claro que a dimensão da interferência russa em África ainda não é a francesa ou, por exemplo, a norte-americana, porque tem uma história muito mais recente. E esses países africanos, muitos deles subsarianos, por exemplo, estavam historicamente ligados à França.
DW África: África vai assumindo um lugar privilegiado neste contexto de disputa geopolítica entre as grandes potências mundiais. Como tirar vantagens dessa posição?
JM: A diversificação é importantíssima. Mas o problema que se coloca é que estamos novamente na Guerra Fria, em que países poderosos tentam resolver os seus problemas internacionais, e alguns até nacionais, como a procura de matérias-primas, em terceiros países. O importante para os países africanos é que se forme uma elite nacional não corrupta ou menos corrupta do que atualmente, pois sabemos que uma das razões da ida destes grupos para países africanos é, sem dúvida, a corrupção.