Corrupção continua a ser desafio no combate à caça furtiva
3 de março de 2017"Escutemos a voz dos jovens” foi o tema lançado pelas Nações Unidas para a celebração do Dia Internacional da Vida Selvagem que é assinalado desde 2013. A DW África quis saber quais são, na opinião das organizações defensoras do ambiente, os desafios das gerações futuras no campo da temática da vida selvagem em África, e mais especificamente, em Moçambique.
Um dos grandes problemas no continente continua a ser o declínio da população de animais selvagens, nomeadamente, de elefantes e rinoceronte, neste país. Haverá, por isso, razões para celebrar?
Corrupção "cresce de forma assustadora"
Numa altura em que a ONU quis despertar as gerações mais novas para os temas relacionados com a vida selvagem, Anabela Rodrigues, diretora do Fundo Mundial para a Natureza em Moçambique (WWF, em inglês), assevera que, a seu ver, a maior preocupação nesta temática continua a ser a corrupção, não só em Moçambique, mas ao nível geral.
Afirmando que esta "tem crescido de forma assutadora", a responsável acrescenta que a "corrupção é endémica”. "Penso que é uma questão que não está a ser devidamente tratada. Eu tenho até conhecimento, por exemplo, que no Vietname apreendem-se contentores, faz-se uma grande dança com a informação para se fazer o marketing internacional e depois esses contentores são entregues às redes por decisão de oficiais do governo aos importadores”, explica.
Lembrando também o mais recente caso do ministro da África do Sul envolvido no tráfico ilegal de rinocerontes, Anabela Rodrigues alerta para a urgência em se acabar com este "ciclo vicioso". "A corrupção alimenta as redes e as redes vão, através da corrupção, minando os esforços que se fazem para um maior e melhor governação dos recursos naturais e, neste caso particular, de algumas espécies de fauna que têm sido mais afetadas”, assevera.
Número de elefantes continua a decrescer
Todos os anos África vê decrescer a sua população de elefantes e rinocerontes. Em Moçambique, em específico, as perdas têm sido enormes, tendo a população de elefantes sido reduzida, nos últimos cinco anos, em cerca de 48%.
Um estudo da União Internacional pela Conservação da Natureza, publicado o ano passado, estimava que, em Moçambique, existiam, em 2016, 10.800 elefantes. Em 2006 existiam cerca de 14 mil. No entanto, Anabela Rodrigues admite que este número poderá ser hoje ainda menor.
"Eu sei que houve recentemente uma contagem aérea feita na Reserva do Niassa, mas os números ainda não estão cá fora. Eu não ficaria surpresa se me viessem dizer que os números estão, mais uma vez, pela metade daquilo que eram há uns três/quatro anos atrás e que hoje só se conseguissem identificar quatro/cinco mil elefantes na Reserva do Niassa. Acredito de um modo geral, neste momento, devemos ter no máximo dos máximos dois terços desse valor”, dá conta.
Também Kaddu Kiwe Sebunya, presidente da Fundação Africana dos Animais Selvagens (African Wildlife Foundation), lembra, neste dia, a dimensão do problema das espécies selvagens e chama a atenção para o facto desta ser também uma questão de identidade do país.
"Perdemos mais de 30.000 elefantes todos anos em todo o continente. Os Leões são metade da população que eram na década de 1970. Precisamos de nos interrogar: Qual é o papel da vida selvagem? Que investimentos devem ser feitos agora? Há áreas nais quais não devemos tocar? Porquê?É uma questão que tem de ser gerida pelos africanos. O papel da nossa vida selvagem é muito importante para as nossas aspirações e para a África que queremos. Não se pode imaginar a África sem elefantes ou rinocerontes. Essa é a marca da África. É isso que nos torna africanos”.
Razões para celebrar?
Anabela Rodrigues acredita que sim, apesar do longo caminho que o país tem ainda de percorrer no combate ao comércio ilegal. Segundo a responsável, este que, não era, num passado recente, um assunto debatido pela sociedade, está agora no seio de muitos debates.
"Vejo muitos mais politicos a manifestarem mais algum interesse em abordar estes assuntos do que no passado. (A temática) passou a ter uma extensão maior e a ser discutida por mais ciclos da sociedade do que foi no passado, pelo menos no caso de Moçambique. E eu acho que isso é um aspeto positivo”, afirmou Anabela Rodrigues, acrescentando que também "a crise da caça furtiva e do comércio ilegal da fauna que aconteceu forçou a que várias instituições do Estado interagissem umas com as outras e, portanto, notam-se alguns esforços”.
O facto da lei em Moçambique "ter passado a criminalizar o negócio ilegal de fauna" é outro dos aspetos positivos a sublinhar. "Ainda esta manhã tivemos um representante da Procuradoria Geral da República (PGR) a dizer precisamente que a Procuradoria não era uma instituição envolvida nestes assuntos porque o abate de fauna não era crime e portanto nunca chegava às suas mãos. Logicamente, neste momento, a PGR está a enfrentar um grande desafio porque as mentalidades de advogados e procuradores não foram preparadas para esta nova realidade”, constata. Também as alfândegas, que "eram uma instituição marginal” estão hoje, "muito mais envolvidas neste debate e neste assunto”, concluiu.