Covid-19: Africanos em Portugal sentem crise económica
10 de agosto de 2020Amélia da Conceição está há 20 anos em Portugal. Veio de Angola com o marido, José Bernardo da Conceição Júnior, homem de vários ofícios que decidiu emigrar em busca de melhores condições de vida. O casal tem três filhos e despesas mensais, incluindo a renda de casa de 350 euros. Ela trabalhava na área da restauração. Com o surto da pandemia do coronavírus, Amélia ficou sem emprego.
"Estou desempregada. Estive a trabalhar na [pastelaria] Versailles, em Lisboa, ao lado da Presidência [da República]. Estive lá a trabalhar seis meses e aquilo fechou, não [estava em] condições. Quando começou, no princípio da Covid-19 aquilo fechou", conta.
O marido, que trabalhou na construção civil e foi camionista, também está desempregado. "O meu marido também estava a trabalhar, só que não estava a descontar. Estava a trabalhar por conta de outrem e não tem [direito a] fundo [de desemprego], não tem nada. O desemprego está a aumentar e isso está muito difícil. Cada vez pior", queixa-se a angolana.
Sem subsídio de desemprego
A família vive com o apoio de amigos, porque até então, depois de ter estado em lay-off, não obteve uma resposta da Segurança Social ao pedido de subsídio de desemprego. Já lá vão dois meses que está à espera.
"Até agora ainda não recebi nada. Estou à espera. Não me dizem nada, não veio nenhuma carta da Segurança Social. Tenho umas amigas que, quando estou a precisar, bato à porta delas e elas me ajudam. É como este mês não sei como pagar a renda de casa, água e luz. Tudo é difícil", desabafa.
Até então, Amélia da Conceição não faz ideia como dar volta à situação, se não conseguir arranjar outro emprego, que vem procurando com persistência. "Não sei explicar como é que dou a volta à situação, porque neste momento estou à procura de trabalho. Se aparecer, tudo muito bem. Se não aparecer vai ser um caso difícil para nós."
Despedimento coletivo
Há 19 anos em Portugal, Yazalda Lima, de São Tomé e Príncipe, também enfrentou dificuldades quando fechou o restaurante onde trabalhava por causa do surto da doença. Mãe de um casal, esteve desempregada desde 1 de abril.
"Trabalhava num restaurante vegetariano, onde eu era cozinheira chefe. E assim foram mais seis colegas que também foram junto comigo", diz.
A trabalhadora são-tomense conseguiu sobreviver com o subsídio que recebia do Fundo de Desemprego. "Enquanto estive no desemprego sempre recebi da Segurança Social e também estava a aproveitar para ver se fazia um curso, mas, olha, apareceu trabalho e fui trabalhar", explica.
Alguns já perderam a casa
Na semana passada, Yazalda encontrou outro trabalho, através do Centro de Emprego. Conta à DW África que resistiu à crise graças à indemnização paga pela patroa e às poupanças que foi fazendo ao longo dos anos de trabalho. Lamenta, entretanto, as dificuldades económicas por que passam muitas pessoas, não só africanas.
"Há quem já tenha perdido a casa. Há quem esteja em situação caótica. Eu tenho um colega que teve de voltar para a casa dos pais porque teve de entregar a casa. Devido à pandemia não conseguiu dar a volta por cima", descreve.
No segundo semestre deste ano, o Produto Interno Bruto (PIB) caiu 16,5%, em termos homólogos de 2019, o que significa que a retoma ainda é uma miragem, segundo Luís Miguel Ribeiro, presidente da Associação Empresarial de Portugal.
Neste ambiente de crise provocada pelo surto da Covid-19, o desemprego aumentou nos últimos três meses, ultrapassando os 5 por cento.
Pobreza aumentou
Já em junho passado, o Conselho Nacional de Saúde (CNS) alertou para a possibilidade de um "aumento da pobreza da população" em Portugal, com base nos resultados de um estudo com base num inquérito online sobre os pedidos de ajuda às juntas de freguesia devido à pandemia de Covid-19.
Segundo o Conselho, o aumento da pobreza estaria associado às alterações bruscas no mercado de trabalho e no rendimento, seja por situação de ‘lay-off' ou desemprego.
Entretanto, os efeitos da crise sobre imigrantes ou descendentes de imigrantes em Portugal, sobretudo os africanos, são bastante diferenciados consoante os setores, considera Jonuel Gonçalves.
Pessoal da limpeza tem emprego
O economista angolano refere que o número considerável de africanos nos serviços de saúde ou o pessoal de limpeza, da área de segurança e até na área dos transportes não levanta nenhum problema de desemprego.
"Agora, no comércio formal e na indústria, realmente, os efeitos do desemprego são muito fortes em relação às comunidades imigrantes, mais ou menos nos mesmos níveis em que são com relação aos próprios trabalhadores portugueses", analisa.
"É um facto que esta crise levanta outros problemas como o problema de assistência pública. E nota-se que nos centros de ajuda alimentar de emergência a maior parte das pessoas que lá recorrem é africana ou é de origem africana", verifica.
Estudantes africanos vivem incerteza
O pesquisador do Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE/IUL) aponta igualmente o caso dos estudantes africanos, que também enfrentam alguns problemas, não só económicos, na medida em que vivem num clima de incerteza completa com relação ao ano letivo.
"Este que não terminou e o próximo. Isto levanta problemas sobretudo àqueles que dependem da ajuda [financeira] familiar para continuarem os seus estudos”, adianta o economista.
Apesar das incertezas, Amélia da Conceição e Yazalda Lima acreditam que esta crise económica irá passar. «Vamos ter fé", afirma Amélia. Com olhar em 2021, Yazalda acredita "que bons dias virão".
A crise económica em Portugal, agravada pelo surto da pandemia, está a criar uma bolsa de pobreza imensurável, por exemplo, na região de Setúbal, onde há muita gente com fome empurrada para a condição de sem-abrigo. Devido à situação, aumentou para o dobro o pedido de ajuda de muitas famílias junto de instituições de solidariedade social.