Defesa: Angola afasta-se da Rússia e aproxima-se dos EUA
27 de setembro de 2023O secretário da Defesa norte-americano, Lloyd Austin, afirmou hoje em Luanda que os Estados Unidos estão a aprofundar a parceria com o Governo angolano "na modernização militar, formação, segurança marítima e prontidão médica". Realçou ainda que há um trabalho conjunto que está a ser feito em áreas como as alterações climáticas, serviços de inteligência ou operações de paz.
Angola quer apetrechar o seu Exército com armas norte-americanas, e os EUA elogiam o papel do Presidente angolano, João Lourenço, na estabilização da região. Aparentemente, a cooperação traz grandes benefícios a ambos os lados. Mas em que ponto fica a cooperação histórica com a Rússia?
Em entrevista à DW África, o analista angolano para questões internacionais Osvaldo Mboco refere que João Lourenço tem aproveitado a competição entre as grandes potências mundiais para obter "as maiores vantagens" possíveis. Entende, porém, que Luanda está "gradualmente" a voltar-se para os EUA.
DW África: O que destacaria no discurso de hoje do secretário de Defesa norte-americano em Luanda?
Osvaldo Mboco (OM): O que se pode depreender da apresentação feita pelo secretário de Defesa é o despertar de um maior apoio dos EUA aos governos africanos em matérias como o treino militar, a modernização dos exércitos ou a assistência técnica. Ficou visível que os EUA poderão ajudar nessas questões.
DW África: Como podemos interpretar esta declaração de apoio norte-americano?
OM: Esta ajuda deve-se essencialmente aos interesses económicos e políticos dos EUA em África. Se não houver estabilidade no continente africano do ponto de vista político e militar, os interesses económicos poderão sair prejudicados. E África tem estado a vivenciar uma série de situações que põem em causa questões securitárias.
DW África: Quão importante é Angola para os EUA nessa matéria de segurança?
OM: O Estado angolano tornou-se um dos principais "articuladores" em matéria de defesa e segurança, particularmente na gestão e resolução de conflitos. O Presidente de Angola, João Lourenço, tem-se empenhado na pacificação da região dos Grandes Lagos, com maior realce para o leste da República Democrática do Congo e para a questão do terrorismo na província moçambicana Cabo Delgado.
Isso é um indicador claro de que Angola pode ser um parceiro estratégico fundamental para a defesa e execução dos interesses de defesa dos EUA no continente africano.
DW África: Olhando para esse potencial de Angola, os EUA não estarão também a tentar prevenir uma maior aproximação de Luanda a Moscovo face ao atual contexto internacional?
OM: Claramente. À margem da cimeira EUA-África, durante uma reunião com o secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, o Presidente João Lourenço manifestou a intenção de modernizar o Exército angolano com material norte-americano. Até certo ponto, isso fez com que Moscovo enviasse a Angola o ministro dos Negócios Estrangeiros, Sergey Lavrov.
Recordemos que, na história militar de Angola, há uma relação próxima com a Rússia, de parceria – dificilmente encontramos um general angolano que não fez um curso de formação militar na Rússia; o equipamento militar é russo; toda a tecnologia vem do Pacto de Varsóvia. Mas há uma deslocação gradual da estratégia militar angolana da Rússia para os EUA.
Dentro desta competitividade no sistema internacional, entre as grandes potências, o Estado angolano tem de se posicionar para tirar as maiores vantagens.
DW África: Angola pode cooperar com os EUA e a Rússia em simultâneo?
OM: Já referi no passado que João Lourenço tem estado a adotar uma "diplomacia de jogo de cintura", para não criar irritantes políticos e diplomáticos com os EUA, a Rússia ou a China. Mas é importante sublinhar que os Estados têm de definir a sua posição no sistema internacional, ou seja, as alianças podem alterar consoante os contextos e as circunstâncias.