"Democratização acidental" em Angola?
26 de março de 2018Enquanto João Lourenço, que completa esta segunda-feira (26.03) seis meses na presidência de Angola, e o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), partido no poder, se esforçam por esclarecer que há coesão e união no partido, as querelas entre os membros do MPLA que vêm a público demonstram exatamente o contrário.
Há correntes que entendem que a saída de José Eduardo dos Santos (JES) da liderança do MPLA iria diluir essa má impressão, até porque o também ex-Presidente do país já deu tudo o que tinha a dar. Por outro lado; JES prometeu que abandonaria a vida política este ano, mas muito recentemente, num encontro do MPLA, sugeriu um certo adiamento.
O sociólogo angolano Paulo de Carvalho lembra que, até aqui, "JES tem mandato à frente do MPLA, portanto não se trata dele querer continuar, mas trata-se dele pretender cumprir o seu mandato."
"Este assunto não diz respeito aos angolanos, propriamente, mas sim aos militantes do MPLA. Os partidos políticos são dos seus militantes. E esta questão diz respeito aos militantes do MPLA", considera ainda Paulo de Carvalho.
Promessa pública exigível do ponto de vista legal
Mas há correntes que não veem a situação de igual modo. Por exemplo o constitucionalista angolano Albano Pedro lembra que "há o problema de ele ter feito uma promessa e aqui há aspetos jurídicos importantes. Ele fez uma promessa pública, as promessas públicas do ponto de vista legal são exigiveis e, portanto, podem ser exigidas judicialmente."
Albano Pedro esclarece ainda que "ele poderá ser acionado junto do tribunal para que cumpra essa promessa, porque foi uma promessa pública que é exigível pelos militantes. Ele prometeu-lhes que abandonaria a vida política em 2018 e isso ficou claro. E, portanto, aqui está um aspeto de responsabilização jurídica que impende sobre a figura do Presidente da República."
Em quase 43 anos de independência, o Presidente da República sempre acumulou também a função de líder do partido, o MPLA. Essa prática que temporariamente está a ser quebrada levanta suspeitas de existência de dois centros de poder no país, um do atual Presidente João Lourenço e outro de José Eduardo dos Santos, que ainda não largou a liderença do MPLA.
João Lourenço não deve assumir liderança do MPLA
Enquanto muitos são a favor da unicidade de poderes, outros defendem justamente o contrário, como o constitucionalista Albano Pedro. "Seria bom que este processo de democratização acidental - acidental porque José Eduardo dos Santos nunca foi um estadista com interesse efetivo de avançar para qualquer processo democrático e, aliás, foi ele que disse muitas vezes 'a democracia nao enche barriga' - deve culminar com o impedimento de João Lourenço de assumir as funções de líder do partido MPLA acumulando com a chefia do Estado", lembra.
"Se conseguirmos esse impedimento faremos com que mais facilmente se despartidarize os serviços públicos e por conseguinte mais facilmente se consiga combater a corrupção, porque a corrupção é fundamentalmente relacionada com a promiscuidade que existe entre o património do partido e o património do Estado", defende o constitucionalista.
Albano Pedro recorda que "foi sempre assim desde 1975, e portanto é preciso por fim a isso". E o constitucionalista conclui: "E se João Lourenço diz que quer combater a corrupção, isso passa por cortar a relação entre o partido e o Estado e isso significa que ele deve por de parte a hipótese de ser presidente do partido acumulando as funções simultâneas de chefe de Estado."
"Fantasma" de JES não tem lugar na nova era
Se por um lado para a democracia essa diferenciação de poderes pode representar um avanço, por outro existe um passado "tóxico" de governação da era de JES cujos os fantasmas não são desejados de forma alguma.
O sociólogo Paulo de Carvalho questiona: "Será que a manutenção de José Eduardo dos Santos a frente do MPLA é vantajosa para o rumo que Angola começou a tomar a partir de setembro passado com o novo Presidente João Lourenço?"
Carvalho pensa que não, "porque é possível haver interferências que poderão por em causa a recuperação económica, porque se Angola está praticamente na bancarrota, sem reservas alguém é responsável por isso. Então, alguém tem de assumir essa responsabilidade."