Depois do boom do petróleo, a diversificação?
23 de outubro de 2015Francisco Paulo comeu bolinhos ao pequeno-almoço. E bebeu um copo de leite. É já um hábito, quando chega à Universidade Católica. É uma senhora que traz os bolinhos: "Ela faz em casa, nós contribuímos com alguma coisa", diz o economista.
Os bolinhos são produção nacional. Mas a maior parte dos ingredientes é importada. Ovos, farinha, açúcar (e também o leite) - vem tudo de fora do país.
"Nós continuamos a importar muito. Quase 70% daquilo que consumimos é importado."
Face à queda do preço do petróleo no mercado internacional, no início do ano, o Governo angolano impôs um limite à importação de ovos ou produtos da cesta básica como incentivo à produção nacional. Os preços subiram ainda mais. Francisco Paulo diz, por exemplo, que os ovos estão "bastante mais caros" do que há um ou dois anos - um ovo pode custar à volta de 50 kwanzas, o equivalente a 30 cêntimos de euro. É cerca de 10 cêntimos mais caro do que um ovo comprado num supermercado alemão comum.
Os produtos fabricados em Angola também são dispendiosos, acrescenta o investigador do Centro de Estudos e Investigação Científica (CEIC). "O custo de produção, em si, é elevado, porque não é fácil produzir em Angola. Montar uma fábrica envolve custos muito elevados."
Os angolanos e a crise
Os angolanos têm sentido bastante a crise do petróleo na carteira. "As coisas sobem e o salário não sobe", desabafa Esmeralda, uma estudante. "Ontem fui para a loja ao lado da Universidade comprar um par de calçado que, na semana passada, estava a 3000 kwanzas [19 euros] e ontem encontrei-o a 4000 kwanzas [25 euros]."
"Subiu o táxi, subiu o saco de arroz e tantas outras coisas do nosso mercado, como roupas, calçado, bijutarias e outros alimentos", afirma Gildo, outro jovem a estudar na capital angolana.
Em Luanda, a inflação subiu mais de 11,6% este ano, até setembro, segundo o Instituto Nacional de Estatística angolano - um aumento bastante acima das previsões do Executivo de José Eduardo dos Santos.
Petróleo-dependentes
Economistas como Francisco Paulo criticam o facto de Angola se ter tornado tão dependente das receitas do petróleo e demorar tanto tempo a diversificar a economia.
Diz-se em Angola que, antigamente, os navios chegavam cheios e partiam cheios. Agora, chegam cheios e partem vazios. Entretanto, há produtos angolanos que se chegam a estragar nas províncias, à espera de seguirem para o resto do país. Disso mesmo se queixava um leitor que, em fevereiro, escreveu ao Jornal de Angola, dizendo que "não faz sentido que as cantinas e os supermercados sejam abastecidos por batata importada, quando o mesmo produto apodrece nos terrenos dos camponeses" por incapacidade de escoamento. Um ouvinte da DW África dizia esta semana que há "muitos ananases e tomates a estragar-se", mas o Governo "só pensa no petróleo".
No tempo colonial, até ao início dos anos 70, Angola foi um grande produtor de café, que representava, nessa altura, cerca de 30% do total das exportações angolanas. Mas, com o tempo, o produto deixou de ter um peso relevante no comércio externo (cerca de 0,001% das exportações). Hoje em dia, quase não se exporta mais nada a não ser petróleo ou diamantes. No ano passado, 98,2% das exportações angolanas foram produtos petrolíferos.
"Com a guerra de libertação, os portugueses abandonaram simplesmente o país. O Governo de então, que é o mesmo de hoje, adotou o socialismo e nacionalizou quase todas as unidades económicas. Ninguém conseguiu levar a cabo todo o projeto que os colonos portugueses deixaram. As fábricas pararam, literalmente", diz Franscisco Paulo.
A seguir, estalou a guerra civil. E o petróleo deu jeito, segundo o investigador. "A economia petrolífera era a única que gerava dinheiro para poder financiar a guerra e fazer a manutenção do poder."
Depois da guerra, o Governo encostou-se: "Nós pensámos que o preço do petróleo estaria sempre em alta."
Não esteve. Depois de vários anos com o preço do crude a rondar os 100 dólares o barril, o petróleo está agora abaixo dos 50 dólares.
Agora, uma das coisas que mais se fala no país é a necessidade de diversificar a economia. "Diversificação" é uma palavra repetida vezes sem conta tanto por políticos, como por empresários. No discurso sobre o Estado da Nação, a 15 de outubro, o vice-presidente angolano, Manuel Vicente, usou-a mais uma vez para frisar a importância de "acelerar a diversificação da economia no setor não petrolífero, bem como o crescimento económico e o emprego."
É simplesmente impossível continuar a depender exclusivamente das receitas do petróleo, acentua Jorge Pinto, da Associação Industrial de Angola (AIA). "A maior parte dos analistas diz que o petróleo é um veneno para qualquer economia no mundo. Porque é cómodo, o petróleo gera muito dinheiro. A diversificação económica é aquilo que todo o automóvel tem, é o pneu de socorro."
Mas diversificar a economia é algo que não se faz de um dia para o outro.
Sete anos até começar a produzir
Na província de Malanje, no norte de Angola, a Biocom é vista como um exemplo da diversificação que o país deve fazer para não estar tão dependente do petróleo.
Visitámos as instalações da empresa com um grupo de empresários alemães. Ao longo da estrada de acesso ao edifício-sede, há campos de cana-de-açúcar a perder de vista, ao longo de centenas de metros. A Biocom produz açúcar branco e etanol. Além disso, a partir do bagaço resultante da transformação da cana-de-açúcar, também produz eletricidade.
A Biocom quer tornar-se numa das maiores empresas de agronegócio de Angola. Para isso investiu 750 milhões de dólares. É um preço demasiado alto para pequenos e médios empresários. A Biocom é detida pela petrolífera Sonangol, o grupo angolano Cochan e a brasileira Odebrecht.
"Começámos aqui do nada. Isto era tudo uma mata. Hoje vocês podem ver que existe aqui um grande projeto montado", diz Luís Bagorro, porta-voz da Biocom.
A empresa foi acusada de empregar trabalhadores em condições análogas à de escravo na construção do complexo industrial em Malanje. A Biocom nega. E diz que está orgulhosa do que foi feito na província angolana.
"Estas foram todas infraestruturas criadas pelo projeto, razão pela qual os custos foram muito elevados", afirma Bagorro. "A nossa energia é própria. Transformamos também a água que consumimos."
Lado a lado com técnicos estrangeiros, fardados de verde, trabalhadores angolanos monitorizam as máquinas e os tubos metálicos por onde passa a calda de açúcar. A Biocom emprega mais de 2.200 pessoas; 91% são angolanos e 9% são estrangeiros, segundo a empresa.
Demorou até começar a produzir. A Biocom foi criada em 2007, mas só em 2014 teve a primeira safra - a empresa ficou-se pelas 3.208 toneladas de açúcar e 3,6 mil m3 de etanol. Este ano, já conseguiu septuplicar a safra de açúcar e quase triplicar a produção de etanol.
Etanol?
Francisco Paulo aplaude projetos como este, para diversificar a economia. A Biocom será uma boa forma de produzir açúcar para o mercado interno e, quiçá, até para exportar. Mas etanol? Será que há veículos em Angola adaptados para utilizar etanol como combustível? - pergunta o economista.
"Quem vai ser o comprador principal de etanol? É uma questão a que devem responder. Porque nós precisamos de alimento, continuamos a importar açúcar. Se a Biocom produzisse açúcar em grande quantidade, seria muito satisfatório para o país."
Angola precisa, porém, de energia para diversificar a economia.
Cortes de luz diários
De regresso a Luanda, encontramo-nos com Jaime Magalhães, diretor geral da empresa DB Schenker.
Está um dia cinzento. Não chove, nem faz sol. E, dentro da empresa, as luzes estão ligadas. Mais de uma dezena de pessoas senta-se em frente a um computador, junto a várias pilhas de papéis - são burocracias aduaneiras, contas, contratos com transportadoras...
A empresa, do grupo alemão de caminhos-de-ferro Deutsche Bahn, coordena o transporte de produtos de e para Angola por via aérea e marítima. É uma das maiores do setor no país, diz Magalhães. Recebe mais produtos do que envia.
"Não há uma exportação regular de produtos acabados, é mais matérias-primas. Mas importação é praticamente tudo: materiais de construção, matérias-primas para a indústria, produtos alimentares, produtos elétricos… Enfim, tudo."
Enquanto Jaime Magalhães fala, as lâmpadas tremem duas vezes. O empresário explica que a eletricidade costuma falhar com frequência. "Quando há maior consumo, na época mais quente, sobretudo, ou quando há uma avaria, os cortes são diários ou, pelo menos, várias vezes por semana. Às vezes, por períodos longos, o que nos obriga a ter um sistema alternativo."
Indústria com geradores? Não dá!
Parar seria o caos, afirma o empresário. Desligar os computadores está fora de questão. Por isso, a empresa comprou geradores. Tem também 500 litros de gasóleo de reserva, para o caso de a luz falhar. Está longe de ser a única a fazê-lo. Há uns anos, estimava-se que três em cada quatro empresas a operar no país tinham geradores.
"Não se pode fazer indústria com geradores. Tem que ser com a eletrificação do país", disse, em julho, o embaixador angolano na Alemanha, Alberto Neto, de visita ao Fórum Económico Alemão-Angolano em Luanda.
A oferta de energia elétrica ainda não responde à procura. As barragens de Capanda e Cambambe fornecem energia a Luanda, mas não chegam. Por isso, o Governo angolano decidiu ampliar Cambambe e criar novas centrais hidroelétricas no rio Kwanza - incluindo Laúca, que deverá passar a ser a maior barragem do país.
"É uma obra gigantesca de que a brasileira Odebrecht é encarregada. Futuramente, a central fornecerá energia a toda a cidade de Luanda", explica Peter Magauer, chefe de divisão da empresa austríaca Andritz no setor de grandes empreendimentos.
A Andritz vai fornecer seis turbinas para Laúca, todas "Made in Germany": "O Governo angolano quis que as máquinas viessem da Alemanha. E a Alemanha disponibilizou-se para apoiar no financiamento."
O negócio terá sido alavancado pelo próprio Presidente angolano num discurso durante a visita a Angola da chanceler alemã Angela Merkel, em 2011. "Espontaneamente, Sua Excelência José Eduardo dos Santos falou no seu discurso, no Palácio do Governo, que as próximas barragens teriam de ser equipadas com produtos de qualidade alemã. Ele não estava lendo. Foi, a meu ver, uma coisa de momento", conta o delegado da economia alemã no país, Ricardo Gerigk.
"Isso teve repercussões extremamente positivas. As empresas alemãs do setor da energia conseguiram criar negócios em Angola."
Dificuldades em fazer negócios
Esse empurrão presidencial foi certamente uma ajuda num país onde não é nada fácil fazer negócios. Angola está entre os últimos 10 países do ranking Doing Business: A burocracia é muita e abrir uma empresa é duas vezes mais moroso e mais caro do que na média dos países da África subsaariana.
Luanda é também a cidade mais cara do mundo para expatriados. Os empresários estrangeiros dizem ainda que, para se investir no país, é preciso uma boa rede de contactos, que demora tempo a estabelecer.
Somado a tudo isto, o país sofre também com a crise do petróleo. A queda dos preços do crude no mercado internacional fez com que entrasse menos moeda estrangeira no país. Com poucas divisas à disposição, as empresas têm dificuldades em fazer pagamentos para o exterior.
Em julho, a secretária de Estado parlamentar do Ministério alemão da Economia e Energia chamou a atenção precisamente para esse problema. Brigitte Zypries esteve na Feira Internacional de Luanda (FILDA) e encontrou-se com representantes do Governo angolano.
"O Governo foi recetivo. Creio que conseguimos expor bem os problemas", afirmou Zypries. "Neste momento, os produtores de batata têm dificuldades em comprar fertilizantes porque não têm dólares para os comprar. Consequentemente, a colheita será má e terá de se comprar batatas ao exterior. É um círculo vicioso. É preciso ser mais flexível."
Direitos humanos de fora das conversas
Outros assuntos ficaram de fora. Por exemplo, a detenção do grupo de ativistas angolanos acusados de prepararem uma rebelião, conhecido como "15+1".
"Não falámos sobre a problemática dos direitos humanos. Falámos sobre o significado de uma imprensa livre e de um Estado de Direito funcional para um sistema económico funcional", disse a secretária de Estado parlamentar.
Notícias como a detenção dos ativistas não afetam necessariamente a imagem que as empresas têm de Angola, referiu, na altura, Judith Helfmann, da associação de empresas alemãs com negócios no continente africano, Afrika Verein.
"A imprensa não é, para mim, um critério. Se olhasse apenas para a imagem de África na imprensa alemã, não diria que há aqui uma feira de negócios como esta", disse Helfmann.
Mas a política pode fazer a diferença: "Creio que é preciso ter cuidado quando há sanções políticas ou uma voz uníssona internacional de condenação ao país. Mas, por exemplo, no Zimbabué, onde as sanções foram levantadas, dissemos às empresas: 'Se há algo nas vossas áreas, então, voltem a olhar para o país'."
Crise é vista como oportunidade
Helfmann refere que nenhum empresário alemão está interessado em sair de Angola, apesar das dificuldades, que incluem falar a língua, o português.
"Angola tem muito potencial e nós estamos aqui, a economia alemã e o Ministério da Economia, como pequeno suporte, para ajudar os angolanos a diversificar a economia", salientou a secretária de Estado parlamentar, Brigitte Zypries.
As empresas vêem em Angola um vasto leque de oportunidades por explorar. Incluindo a DB Schenker.
"A nossa postura no mercado angolano é, acima de tudo, fazer parte da solução e não do problema", afirma o diretor geral, Jaime Magalhães. "É uma postura positiva e de ajuda às autoridades, no sentido de poder ultrapassar os constrangimentos."
A DB Schenker quer criar um centro logístico na zona da grande Luanda, mas, por enquanto, o projeto está parado devido à crise do petróleo. Magalhães espera, no entanto, que se possa ultrapassar a crise em breve.
"Isto é uma crise momentânea", diz. "As opiniões gerais apontam para que, em 2016, possa haver uma leve retoma, que poderá ser, ou não, hiperbolizada em função do preço do petróleo. […] Mas este continua a ser um país com imensas potencialidades, quer em termos de matérias-primas, quer em termos de pessoas."
Crise é breve ou para durar?
O economista Francisco Paulo sugere que, pelo sim, pelo não, se avance urgentemente com o processo de diversificação da economia. "Não sei se, tão cedo, vamos atingir os níveis de 100 dólares por barril de petróleo."
O Governo angolano reconhece a necessidade de avançar depressa. O Presidente José Eduardo dos Santos já afirmava, no final do ano passado, que diversificar a atividade económica é uma "questão crítica, uma tarefa urgente e inadiável". Está em curso um plano governamental para o fazer.
O economista Francisco Paulo adverte, no entanto, que não se pode voltar ao "comodismo anterior" da dependência do petróleo.
"Distribuir melhor para crescer mais"
No Relatório Económico de Angola de 2014, que Paulo ajudou a escrever, refere-se que uma "parte significativa" das receitas do petróleo foi usada para criar uma elite abastada, em detrimento da população geral e da criação de empregos. Isso tem de acabar, afirma o economista:
"Se o excesso das receitas fiscais petrolíferas não está na economia, está onde? É uma pergunta que o próprio Governo deve responder. Onde está esse excedente? Podem falar do Fundo Soberano, mas são cinco mil milhões de dólares que estão lá - é o que gastámos anteriormente em subsídios aos combustíveis anualmente. Aquilo não é nada. Se se usasse esse excedente para poder investir na economia nacional, posso-lhe garantir que nós não estaríamos numa situação tão aflitiva como estamos hoje."
No ano passado, Angola arrecadou mais de 68 mil milhões de dólares com as exportações de petróleo, segundo dados da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD).
O partido no poder, o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), concorreu às eleições gerais de 2012 sob o mote "crescer mais e distribuir melhor". Numa análise à situação económica atual, o jornalista angolano Carlos Rosado de Carvalho sugeriu, entretanto, um outro slogan: "Distribuir melhor para crescer mais."
Estima-se que metade dos angolanos vive com menos de dois dólares por dia.