Manuel de Araújo vê lado positivo da crise no MDM
9 de maio de 2017O edil de Nampula, Mahamudo Amurane, acusa o Movimento Democrático de Moçambique (MDM) de querer prejudicá-lo, por alegadamente ser intolerante com atos de corrupção. A segunda maior força da oposição moçambicana diz que as acusações são infundadas. A DW África aproveitou a estadia em Bona de Manuel de Araújo, também edil de Quelimane, para falar sobre isso e outros assuntos referentes às eleições autárquicas moçambicanas previstas para 10 de outubro de 2018.
DW África: O MDM está a viver uma crise com o edil de Nampula, o sr. Amurane, e até hoje ela não foi resolvida. Como vê isso num partido que se tem saído muito bem nas eleições autárquicas?
Manuel de Araújo (MA): Um bebé que corre e brinca com os outros é expectável que de vez em quando caia, é normal. Acho que é uma crise de crescimento. O MDM tem oito anos e deu grandes saltos, em menos de cinco anos. O MDM está a controlar as três principais cidades de Moçambique. Importante para mim não são as crises, para mim elas são a oportunidade que se tem, dependendo do nível de maturidade da direção do partido. Esta crise pode ser aproveitada para consolidarmos os nossos ganhos, prepararmo-nos pra os próximos embates e podermos ter resultados satisfatórios. Tenho recorrido ao exemplo da FRELIMO, se quisermos usar a mesma métrica, quando este partido tinha seis ou sete anos teve uma crise muito pior que esta onde até mataram-se, foi morto o presidente da FRELIMO, o vice-presidente da FRELIMO foi expulso, o comandante da FRELIMO Filipe Samuel Magaia foi assassinado, não pelos portugueses, mas pelos próprios membros da FRELIMO. Portanto, é normal em partidos ou movimentos que de vez em quando haja situações dessas, que acabam purificando as próprias fileiras.
DW África: A RENAMO já disse que vai participar nas eleições autárquicas...
MA: O que é muito bom, dou os meus parabéns, porque é na urna que os partidos políticos devem procurar o seu protagonismo.
DW África: E este partido não participou na últimas eleições...
MA: O que foi uma pena...
DW África: O que também poderá ter deixado o MDM em posição de vantagem, uma vez que só teve de enfrentar apenas a FRELIMO que nas grandes cidades tem estado a perder a aceitação. Este ano entra a RENAMO, o que espera do pleito?
MA: Se formos a ver, os resultados que o MDM alcançou nas cidade da Matola, de Maputo, Inhambane e Xai-Xai, que são zonas dominadas pela FRELIMO, nunca tinham sido alcançadas pela RENAMO antes. Portanto, acho que existe aí algum mérito [do MDM], não podemos deitar o bebé e a água suja só porque a água está suja. Por outro lado acho que não está provado que se a RENAMO participar o maior perdedor seja o MDM, talvez o maior perdedor possa vir a ser a própria FRELIMO. É possível até que o MDM até melhore o seu desempenho, mesmo na presença da RENAMO. É possível que a FRELIMO piore o seu desempenho por causa da RENAMO, mas também é possível que a RENAMO não alcance os resultados esperados. Sou daqueles que não gosta de por a carroça a frente dos bois, vamos deixar os resultados falarem por si.
DW África: Mas estão a preparar-se de forma diferente, porque entra um outro opositor forte que é a RENAMO...
MA: Mas nós sempre nos preparamos tendo em conta os adversários que existem. O eleitorado que capturamos nos redutos da FRELIMO nunca tinham sido capturados antes, com ou sem a RENAMO. Acho que cada partido tem o seu eleitorado, a sua estratégia de trabalho. Encorajo a participação da RENAMO, porque é participando em processos democráticos que a própria democracia se consolida, se desenvolve e se fortalece.
DW África: Aventa a possibilidade de se candidatar como independente, por exemplo para Quelimane que é o seu município?
MA: Até aqui ainda não surgiram razões que me fizessem aventar essa hipótese, como disse antes, não gosto de por a carroça a frente dos bois. Neste momento estou onde estou e estou confortável. Portanto, não vejo porque pensar numa hipótese de me candidatar como independente. Ser calhar se as circunstância mudarem, há várias plataformas. E a minha candidatura não é algo que vem de mim individualmente, foi a pedido, quer dos munícipes de Quelimane como também do MDM. A partir da altura em que os dois acharem que já não precisam da minha opinião vou agradecer. Há muitas coisas que deixei de fazer, a carreira académica, de negócios e internacional ficaram de alguma forma prejudicadas por esta ação. Tenho dito que estou na minha fase de serviço militar obrigatório.
DW África: Os moçambicanos tem entendido os novos desenvolvimentos no processo de paz como um bom sinal para o alcance de uma paz definitiva. Qual é o seu parecer sobre o novo rumo do processo?
MA: Gostaria que este processo fosse mais transparente, porque nós não sabemos o que está a ser negociado, apenas vimos de um dia para o outro que há um cessar-fogo, primeiro de duas semanas, depois de dois meses e depois de quatro meses... Ouvi o posicionamnete do presidente Dhlakama e fico sem saber se é trégua de quatro meses ou definitiva. Ora, qualquer processo para ser substancial precisa de ter alguma consistência, precisa de ser transparente. A nossa história mostra-nos que em Roma houve um acordo assinado de forma pouco transparente e o resultado é que 20 anos depois voltamos a guerra. Depois faltando um ano para as eleições porque tínhamos que ter eleições, porque se não os doadores deixavam de nos financiar, o Presidente Guebuza aldrabou o presidente Dhlakama, assinaram um acordo que depois ninguém cumpriu e voltamos a guerra de novo. Agora é o Presidente Nyusi que está a negociar com o presidente Dhlakama, espero que desta vez não seja aldrabado. Chega de guerra, queremos desenvolver o nosso país. Temos um Parlamento é lá onde isso deve ser discutido, mas o nosso Parlamento é só para o inglês ver, aprovam coisas que são discutidas no quarto sem participar das negociações. O nosso Parlamento deixou de ser relevante, só serve para carimbar coisas que nem conhece. Era melhor que fosse abolido este Parlamento e começar-se com uma assembleia constituinte.
DW África: Que apreciação faz ao facto do Parlamento ter tido pressa em "legalizar" as dívidas ocultas sem antes ouvir o resultado da auditoria que será, em princípio, apresentado pela Kroll já no dia 12 de maio?
MA: Não dou muita importância a tal investigação da Kroll. Nós já sabemos quem roubou, foi o Presidente Guebuza, o Presidente Nyusi e os seus sequazes. Agora, o que queremos saber é onde está o dinheiro, porque sabemos que mais de dois terços desse valor não entrou em Moçambique, segundo não foi usado para o que estava previsto e sabemos quem estava lá. Não percebo porque há esse barulho todo, porque já sabemos quem são as pessoas e o que fizeram com o dinheiro. Acho que a justiça devia avançar, é apenas uma mera formalidade. E fico muito intrigado porque o país que estava a financiar esta investigação, que é a Suécia, antes do fim do processo acabou retirando a sua embaixadora de Moçambique, é muito estranho. Acho que alguém devia colocar a pergunta o que custava a Suécia esperar um pouco mais até que esse processo terminasse? O Governo da Suécia também tem algo a responder. E mandou a embaixadora para as Nações Unidas como o número dois lá, é muito estranho. Se calhar como prémio, por algo que fez ou deixou de fazer em prejuízo do povo moçambicano.