Dezessete anos a recuperar toxicodependentes em Cabo Verde
Cada interno tem a sua tarefa diária, num sistema rotativo. Esta semana, a tarefa de Artur, um dos internos das tendas El-Shaddai, é tocar o sino, que anuncia a atividade cultural. Todos têm de se concentrar na "Redonda", nome dado ao espaço onde são feitas orações, reflexões, palestras e actividades culturais. Minutos depois começa a actividade cultural e o entusiasmo é contagiante. Há 17 anos que é assim.
O responsável Honório Fragata olha para trás e sente-se realizado. "Se tivesse de começar de novo, começaria de novo", confessa. "E hoje, quando vejo os frutos que já colhemos, digo que valeu a pena o sacrifício e vale a pena o sacrifício que continuamos a fazer", conclui.
Costuma dizer aos amigos que, estes 17 anos, uma só pessoa se recuperou, já se sente realizado."Recuperar seres humanos e não números" foi desde sempre o seu objetivo.
Os números falam por si e dizem que são muitos os que por lá passam e conseguem recuperar, embora haja também casos de fracasso. Honório Fragata, porém, prefere realçar os casos de sucesso. "Já temos pessoas formadas, sociólogos, engenheiros, pastores, missionários", sublinha. Lamentando, por outro lado, os que entretanto morreram e os que se encontram presos.
Tendas no limite da capacidade
As tendas El-Shaddai estão no limite da sua capacidade. Albergam, neste momento, 40 toxicodependentes, na sua maioria por consumo de álcool. "O alcoolismo está a matar", conta Honório Fragata, que é tratado por todos nas tendas por "tio".
Atualmente, a procura para entrar nas tendas é maior do que os lugares disponíveis. As tendas recebem gentes que vêm de todas as ilhas e de outros países para se recuperarem.
É o caso de Philipe que veio do Senegal. "Estou aqui desde 21 de dezembro passado. Quanto ao processo de recuperação, não digo que é bom ou é mau, vou aguentando. É preciso muita força psíquica para se ter um espírito tranquilo", conta.
Um espaço sem muros
A área ocupada pelas tendas é um espaço aberto, sem muros. Apesar disso, não tem havido casos de fuga. Mário Almeida, que era engenheiro de profissão, é o interno mais antigo no centro. Está prestes a completar quatro anos no local.
Diz que a recuperação que é feita nas tendas "tem que ver com a valorização do ser humano" e baseia-se muito em princípios de teologia. "Através de ensinamentos bíblicos, conseguimos restaurar a nossa mente", precisa.
As tendas El-Shaddai recebem anualmente da Comissão de Coordenação de Combate à Droga cerca de 3.000 euros e cerca de 1.500 euros do Ministério da Saúde, montante que é pouco para a grandeza do projeto e para as despesas das tendas.
Recentemente, a Embaixada da Alemanha em Cabo Verde resolveu financiar a construção de uma padaria nas tendas El-Shaddai, ajudando, assim, a mitigar uma das necessidades do projecto. "A reintegração de jovens toxicodependentes na sociedade é uma iniciativa muito louvável e achamos que vale a pena apoiar essa iniciativa", salienta o cônsul alemão Günter Heidrich.