Dia do Ambiente: Angola "não tem políticas estruturantes"
31 de janeiro de 2021Camponeses, membros de organizações de defesa do meio ambiente e políticos ouvidos pela DW África a propósito do Dia Nacional do Ambiente em Angola, que se assinala este domingo, 31 de janeiro, apontam as mesmas razões para o fenómeno da seca: as alterações climáticas e a falta de políticas públicas adequadas.
Maria Pongoloco, natural da cidade do Huambo, tem na agricultura a sua fonte de subsistência. Lamenta a falta chuva que se regista na presente campanha agrícola e antevê momentos de fome caso a situação não se altere nos próximos tempos, embora sublinhe que mesmo que chuva caia, será apenas para evitar o pior - está tudo quase perdido.
"As culturas estão a secar, porque a chuva não cai há quase vinte dias e com a falta de água as plantas não estão a resistir", afirma. "Depositamos toda a nossa esperança no campo e quando não chove a nossa situação fica complicada".
País não aprendeu com o passado
O Padre Pio Wacussanga, sacerdote católico e membro da direção da Associação Construindo Comunidades (ACC), que atua na região de Gambos, província da Huíla, lembra que a questão da seca em Angola já é antiga e afirma que "o país não tirou lições positivas da estiagem de 2012 na região do sul do país, nas províncias do Cunene, Namibe, Huíla e Cuando Cubango".
"Se tivéssemos aprendido", considera, "teríamos criado um sistema alternativo de aprovisionamento de água e de criação de espaços de agricultura intensiva por meio da horticultura, criação de forragens e de pastos alternativos, e nós não conseguimos criar infelizmente".
O ativista considera ultrapassada e não sustentável a prática da agricultura de sequeiro - que depende somente do período chuvoso - e advoga a necessidade de se evoluir para a agricultura de rega, dada as condições de rios e barragens que o país possui.
"O impacto ambiental da estiagem vai se prolongado para a segurança alimentar, nutricional, para o aprovisionamento da água e com danos para o próprio ambiente, quer para a flora, quer para a fauna e isso só se agrava com os projectos megalómanos de se querer explorar o petróleo da bacia do Namibe e da bacia do Okavango", alerta. "Tudo isso junto fará caminhar Angola para uma espécie de buraco negro onde tudo é atraído e nada sai".
Também Carlos Cambuta, diretor-geral da Acção Para o Desenvolvimento Rural e Ambiente – ADRA, uma ONG que atua nas comunidades rurais, sublinha que Angola precisa de traçar políticas neste domínio para combater os efeitos decorrentes de fenómenos ambientais.
"O nosso país não tem políticas ambientais públicas estruturantes para mitigar os efeitos decorrentes da questão ambiental", afirma. "Isso significa que há toda uma necessidade de desenvolver projetos, estruturas, e quando nós falamos em projectos estruturantes não estamos a referir-nos a grandes projetos, mas a um conjunto de ações que, por mais pequenas que sejam, possam gerar impacto na vida das comunidades", explica.
Plantar, plantar, plantar
Carlos Cambuta destaca a importância de ações de sensibilização para a necessidade de proteger o meio ambiente, passando muito pela "plantação de árvores, porque o país está a ficar cada vez mais desflorestado".
Um fenómeno, explica, que "decorre das dificuldades de vida, porque muitas famílias, sobretudo no meio rural, recorrem ao desmatamento para poderem obter recursos financeiros".
"Nós pensamos que é possível incutir nas suas mentalidades a ideia de que podem desmatar árvores, mas substituí-las", afirma.
O ativista não tem dúvidas: o atual cenário de seca que se vive nas províncias do Namibe, Huíla, Cunene e Cuando Cubango, uma zona caracterizada como semiárida, é resultado da ausência de políticas de proteção do ambiente. Camuta garante que nestas regiões, "onde o fenómeno da seca é cíclico", é preciso apostar em ações que permitam à população viver na normalidade.
No entanto, sublinha, "a falta de aproveitamento das águas decorrentes das chuvas, a ausências de campanhas de plantação de árvores, a ausências de ações de aproveitamento de resíduos sólidos, entre outras, fazem com que a população tenha mais dificuldades em lidar com o fenómeno da seca".
Fome nas comunidades rurais
As comunidades rurais do interior do país já começam a sofrer com o impacto da estiagem. De acordo com Carlos Cambuta, neste momento assiste-se um quadro dramático caracterizado pela fome, particularmente, no sul do país. O responsável salientou que a sua organização está envolvida em projetos sociais que visam minimizar as carências nas comunidades, com a construção de infraestruturas sociais, como cisternas, a recuperação de "chimpas", cisternas de retenção e tratamento de águas fluviais, que têm servido de alternativa no abastecimento de água tanto para o consumo doméstico como para a prática da agricultura em pequena escala.
Em entrevista à DW África, o diretor do Gabinete Provincial da Agricultura Pecuária e Pescas do Bié, Marcolino Sandemba, mostrou-se preocupado com o impacto da estiagem na província que dirige, embora admita que o Bié tem um quadro relativamente diferente comparado ao Kwanza Sul e Huambo.
Sandemba defendeu a necessidade de alterar o atual modelo da agriculta do país, assente na agricultura de sequeiro, para a agricultura de rega. Para o responsável, o país tem recursos hídricos capazes de impulsionar as mudanças no setor e promover o desenvolvimento sustentável no país.