Direitos da Criança: Bater e educar não são sinónimos
20 de novembro de 2019Nyabenda Emmanuelle e o seu marido, Misago Jean Mari, ainda estão em choque. O casal vive no bairro de Kinama, na maior cidade do Burundi, Bujumbura. Numa terça-feira de outubro, quando Nyabenda chegou a casa após um dia de trabalho no campo, colegas de turma da sua filha Shadia deram-lhe a terrível notícia: Shadia tinha desmaiado na escola e estava inconsciente.
Quando Nyabenda chegou à escola, a professora da filha culpou-a pelo que tinha acontecido: Nyabenda deveria ter avisado que Shadia estava doente e não lhe deveriam bater. Shadia, de 13 anos, tinha sido levada para o hospital, mas morreu à chegada.
As circunstâncias exatas da morte de Shadia continuam por esclarecer. A professora, diz o pai, Misago, desapareceu depois da morte da adolescente. A diretora da escola foi detida para ser interrogada e posta em liberdade três dias depois. As autoridades de Kinama justificaram a libertação alegando que Shadia tinha epilepsia e que esta teria sido a causa da morte. A família rejeita esta explicação: "Ela era saudável e tinha bom caráter", diz Shugwejimana, a irmã de Shadia, em entrevista à DW.
Segundo a família, o corpo da jovem estava coberto de nódoas negras e Shadia sangrava do nariz. Uma colega descreveu a situação à família: "Shadia foi chamada ao quadro para responder a uma questão, mas disse à professora que não sabia. A professora bateu-lhe com uma cana no pescoço, na cintura e nas costas. Quando voltou para o seu lugar, caiu, ficou inconsciente e urinou", conta Shugwejimana.
Consequências graves para o desenvolvimento infantil
Uma agressão na escola terminar numa morte trágica pode ser a exceção à regra. Mas o uso da força na educação de uma criança tem, no geral, graves consequências, diz Goro Palenfo, do Gabinete Internacional dos Direitos da Criança no Burkina Faso.
O assistente social considera que faz pouco sentido distinguir entre castigos corporais mais pesados ou mais leves, "porque traz sempre uma panóplia de consequências, tanto a nível físico como psicológico". Além disso, a prática não se limita às escolas: "O castigo corporal é tolerado na sociedade. O castigo físico como medida educativa também é usado em casa, no seio da família".
É preciso mais do que uma mudança de mentalidade para acabar com esta prática, afirma Sonia Vohito, da Global Initiative to End Corporal Punishment - Iniciativa Global para Acabar com o Castigo Corporal, em português. Em primeiro lugar, é importante que a violência como meio de educação seja proibida por lei, porque, mesmo que apenas alguns casos sejam reportados, a criança tem proteção legal. "As leis fortalecem os esforços para a proteção da criança e têm um efeito dissuasor", explica a coordenadora da iniciativa em África.
Ilegal em oito países africanos
A aprovação e implementação de leis que proíbem o castigo corporal pode demorar. Obiageli Ezekwesili, ex-ministra da Educação da Nigéria e co-fundadora do movimento #BringBackOurGirls, explica a situação no seu país: "Temos uma lei dos direitos das crianças que foi aprovada e que teria de ser ratificada nos diferentes Estados. A maioria dos Estados no sul ratificaram-na, mas vários Estados do norte não".
"O crime não ser punido e as pessoas que agridem crianças continuarem impunes, a sociedade não cuidar dos mais fracos e vulneráveis, esta é uma tendência perigosa", alerta Ezekwesili.
30 anos depois da aprovação da Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança, apenas oito países africanos proibiram, de facto, o castigo corporal. A África do Sul é o mais recente país a aprovar a lei, com o Tribunal Constitucional a afirmar que a agressão a crianças viola a Constituição. No Burundi e no Burkina Faso, o castigo corporal continua a ser permitido em casa, embora o Burkina Faso tenha declarado a intenção de avançar com a proibição total.
Ainda que a implementação da Convenção seja lenta em África, o castigo corporal às crianças não é um problema especificamente africano, salienta a ativista Sonia Vohito: "Os argumentos para impor castigos corporais como método educativo são os mesmos na Europa e em África". A única diferença é temporal. Na Europa, a Suécia foi o primeiro país a proibir por completo, em 1997. Em África, foi o Togo, em 2007.
A especialista em direitos da criança acredita que os exemplos positivos são particularmente úteis no combate a esta prática: "Temos de mostrar que conseguimos educar as crianças sem castigos corporais e que isto não é sinónimo de perda de disciplina".