Festival de cinema de Lisboa com filmes sobre Moçambique
20 de outubro de 2018"Pele de Luz", filmado o ano passado, retrata pessoas com albinismo em Moçambique. O filme conta a história de duas irmãs albinas que, em Maputo, enfrentam ainda as crenças enraizadas na magia negra.
O realizador português André Guiomar passou os últimos quatro anos no país e aprendeu a entender a importância da fé, nomeadamente, o espaço da magia negra nos hábitos dos moçambicanos. "Para obter riqueza, muitas vezes tem que se matar um albino e usar os seus órgãos nesses rituais", começa por afirmar André Guiomar, acrescentando que a história do filme surge quando conheceu Anifa, que é a personagem principal. "A Anifa está envolvida no Parlamento Juvenil de Maputo e quando sai à noite é raptada e acaba por sobreviver a esse rapto e escapar. A polícia apanha a carrinha e a partir daí a minha ideia foi [perceber] como é que mentalmente se aguenta ou onde é que nós nos apoiamos para continuarmos sãos depois disso", conta.
Foi assim que se apercebeu da existência em Moçambique - tal acontece noutros países de África - de um preocupante problema de violação dos direitos humanos. No entanto, o filme que é exibido esta segunda-feira (22.10), em Lisboa, e que também estará em exibição em Moçambique, procura mostrar duas formas diferentes de lidar com o albinismo, como explica o realizador: "O filme acaba por ser ela [Anifa] e a irmã mais nova [Isa], que está numa crise mais complicada porque está numa idade mais frágil, e está a construir a sua identidade. Não encara da mesma maneira as diferenças que ela vê em si própria. Portanto, a Anifa, mais velha, vê positivamente ser diferente dos outros. Acha isso uma caraterística positiva, mas a Isa está ainda numa fase muito complicada de aceitação nesse sentido".
O realizador sublinha ainda que, na vida destas pessoas, a fé, a educação escolar e o apoio familiar são três pilares estruturais importantes. E acrescenta que não bastam as campanhas para combater os abusos contra os albinos.
Por sua vez, Yara Costa estreia no DocLisboa o seu documentário "Entre Eu e Deus", a primeira longa-metragem sobre Karen, uma adolescente muçulmana da Ilha de Moçambique.
Em entrevista à DW África, Yara Costa explica que ao aperceber-se de um "fenómeno relativamente recente associado à mudança na forma de vestir dos jovens, quis entender se este facto também "representava uma forma de pensar diferente e o que é que estava a acontecer com aquelas pessoas que estavam, de repente, a mudar as suas vestes e o seu comportamento". É assim que surge então a ideia de contar a história de Karen. "Porque achei que ela, além de ter uma história e de ser um personagem fortíssimo, dá a cara a esse fenómeno que é uma coisa mais geral que está a acontecer, não só em Moçambique, mas também em vários países africanos onde existe a religião muçulmana", explica.
Islão vs Preconceito
Baseando-se na sua realidade islâmica, a realizadora moçambicana traz a público a temática do fundamentalismo religioso no mundo inteiro, alimentado, sobretudo, por jovens que procuram outras referências ou outra forma de estar na sociedade. Yara quis também "explorar um pouco o conflito que existe entre a geração mais jovem e a geração mais antiga que, apesar de religiosa, não está confortável e não se vê representada nesta nova forma de praticar a religião".
No filme, Yara Costa trata de apresentar a história sem fazer nenhum julgamento ou juízo de valor, mostrando quão complexo é hoje em dia ser muçulmano em Moçambique. Como explica à DW, "Entre Eu e Deus" pretende abordar o preconceito que existe em relação a estas pessoas. "[Existem] muitos estereótipos, o de achar que uma mulher faz isso porque tem um homem que a está a obrigar, porque são mulheres que não têm acesso à educação, porque são mulheres oprimidas; e o meu personagem ajuda a desmistificar um pouco essa ideia, que a faz identificar com algo que vai além das fronteiras da Ilha de Moçambique e do islão que ela conheceu. Queria mostrar esse lado também, o preconceito que ela sofre por ter feito essa escolha. Ela paga um preço muito alto por isso".
Confrontada com a necessidade de muito debate sobre o preconceito e a diferença retratados no filme, a realizadora considera que ainda "há muito desconhecimento e muita distância entre eu e o outro". Mais ainda em Moçambique, tal como no mundo inteiro, onde a religião islâmica é associada à violência, a atos terroristas. Face a esta visão, Yara Costa deixa a pergunta: "Todo o muçulmano é um potencial terrorista?".
"Entre Eu e Deus" é exibido no dia 28 de outubro, no Cinema de São Jorge, na reta final da décima sexta edição do Doclisboa, Festival Internacional de Cinema documental, que teve início a 18 de outubro e termina no dia 28.