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Doentes angolanos protestam contra fim das juntas médicas

5 de março de 2021

Para os pacientes angolanos em tratamento em Portugal, o regresso forçado a Angola, com o fim das juntas médicas, significa uma "sentença de morte", uma vez que o país não reúne todas as condições para tratamento.

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Protesto organizado pela Associação A Voz de Angola na Europa frente à Embaixada de Angola em LisboaFoto: João Carlos/DW

A maioria dos cerca de 300 doentes angolanos dependentes de Junta Médica para tratamento em Portugal não vai regressar a Angola, conforme decisão das ministras da Saúde e de Estado para a Área Social angolanos, Sílvia Lutucuta e Carolina Cerqueira, respetivamente.

Um despacho governamental recente determinou, sem consentimento médico, altas administrativas e compulsivas dos doentes assistidos em hospitais portugueses, a partir de fevereiro. Isto após uma auditoria que concluiu ter havido vários abusos no uso do mecanismo da Junta Médica.

Os pacientes angolanos, que voltam a protestar esta sexta-feira (05.03), em Lisboa, a capital portuguesa, contra o regresso forçado, dizem que a decisão é desumana e significa "sentença de morte", uma vez que o país não reúne todas as condições para tratamento de doenças mais críticas.

A maioria dos doentes está a ser forçado a deixar as pensões onde residem na capital portuguesa depois da recente decisão governamental que determinou o fim das Juntas Médicas a partir de fevereiro. Há doentes intimados a regressar a Angola nos próximos dias. 

Altas sem orientação médica

O nome de Félix Saviola está na lista dos que têm de regressar ao país. É doente renal crónico, transplantado em Coimbra, Portugal, há quatro anos. O paciente confirma, em declarações à DW África, que tem recebido telefonemas insistentes do setor da saúde da Embaixada de Angola em Portugal para deixar a Pensão Alvalade, onde está hospedado. 

Portugal, Lissabon | Félix Saviola, Patient aus Angola
Félix Saviola, doente renal crónico, recebeu um documento com prazo para deixar a pensãoFoto: João Carlos/DW

"Eles deram-me um documento que tinha uma alta administrativa compulsiva. Recebi esse documento há duas ou três semanas e deram um prazo de oito dias para abandonar a pensão. Quem quisesse regressar podia regressar, quem quiser permanecer [aqui] terá de permanecer por conta própria", explica.

Félix Saviola ainda está em fase de tratamento com indicação médica desde setembro do ano passado para continuar em Portugal. "Porque ainda tive consulta de rotina na semana passada em Coimbra e o médico disse que não posso regressar para Angola. [O médico] ficou de mandar um documento para o setor [de Saúde] da Embaixada, mas sei que vão ignorar o documento porque são eles que estão a dar as altas sem orientação dos médicos. Não falam com os médicos", denuncia.

Perante o impasse, Félix Saviola diz que não sabe quanto tempo vai poder ficar na pensão, até ser despejado. "Há situações extremas de pessoas que não têm família cá e não têm apoios", acrescenta. Pondera, com a ajuda de uma assistente social, arranjar um sítio para ficar.

Estado angolano não suportará mais custos

Com o despacho governamental, o Estado angolano declina-se a assumir qualquer responsabilidade em continuar a suportar custos com a estadia dos doentes em Portugal. No entanto, para alguns destes doentes, regressar a Angola está fora de questão, porque as condições de assistência médica e medicamentosa não são as mais adequadas para seguir os casos mais delicados. É o que reafirma Vitorino Leonardo.

"Eu, por exemplo, sou transplantado há menos de quatro anos. O meu rim ainda não está bem assente no meu organismo. Como é que eu vou para Angola, onde é que vou ser tratado, onde é que vou buscar os medicamentos, onde é que eu vou fazer as análises?", questiona indignado.

Pelas redes sociais circulam vídeos de alguns pacientes regressados a Angola, a braços com dificuldades de assistência médica e medicamentosa, por intermédio do setor da Junta Nacional, como dá conta outro doente, Gabriel Avelino Tchimuco.

Portugal, Lissabon | Gabriel Avelino Tchimuco
Gabriel Tchimuco, presidente da Associação dos Doentes Angolanos em PortugalFoto: João Carlos/DW

"Nós temos aí neste momento dois doentes transplantados que já questionaram a Junta Nacional onde é que vão continuar os seus tratamentos e a Junta não sabe o que fazer. Estes doentes estão em rebuliço, estão preocupados. E agora querem regressar e a Junta não lhes quer dar apoio. Portanto, isto é preocupante. Isto é colocar uma vida humana em risco”, sublinha.

O também presidente da Associação dos Doentes Angolanos em Portugal (ADAP) viaja esta sexta-feira (05.03) para Luanda, para encetar diligências junto das autoridades competentes face à situação.

"Não compreendemos como é possível que doentes que tenham vindo de Junta, que tenham passado por uma comissão médica, foram avaliados e que foi considerado que esses doentes não tinham tratamento possível em Angola, daí que foram reencaminhados para Portugal. O nosso espanto é que houve, de facto, uma comissão médica que veio a Portugal e essa comissão avaliou caso a caso esses doentes, mas nunca em nenhum momento terá dito aos doentes que deveriam regressar ao país. Então, não faria qualquer sentido ter enviado uma comissão para avaliar os doentes", diz.

Entretanto, por estarem em causa vidas humanas, Gabriel Tchimuco lamenta: "Quando se diz que os médicos portugueses passam relatórios falsos a dizer que os doentes não podem regressar a Angola, sinceramente, isto é até uma falta de respeito à dignidade e à colaboração que é dada pelo Estado português para que os doentes consigam continuar o seu tratamento."

Relatório não condiz com a realidade

Segundo o representante dos doentes, a comissão médica angolana que esteve em Portugal, no ano passado, para avaliar a situação não produziu um relatório condizente com a realidade. Há doentes com patologias complexas associadas, que incluem crianças transplantadas à medula e operadas ao coração, bem como os pacientes com doenças oncológicas que exigem tratamento contínuo. Do grupo, adianta Gabriel Tchimuco, fazem parte os insuficientes renais crónicos.

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"Neste capítulo, gostaria de frisar que aquilo que se fala muito, que já temos hemodiálise em Angola, é uma falácia. Porque esses doentes que vêm para Portugal não vêm para fazer tratamento de hemodiálise. Vêm porque se esgotaram os acessos vasculares e o país não tem tecnologia nem especialistas para a construção de acessos vasculares difíceis", clarifica.

Acrescenta que todos querem regressar a Angola, mas os doentes, há muitos anos em tratamento de hemodiálise, precisam de uma atenção especial. Muitos deles estão à espera de um transplante renal. Daí a necessidade de continuarem a ser tratados em Portugal, frisa Tchimuco.

Doentes ponderam pedir ajuda à UE

Esta sexta-feira (05.03), na semana em que está em Lisboa a comissão médica enviada pela Junta de Angola, os doentes protestam, uma vez mais, frente à Embaixada de Angola. Uma manifestação promovida pela Associação A Voz de Angola na Europa.  

Contactado pela DW África, José Bastos dos Santos, novo chefe do setor de Saúde da Embaixada de Angola, escusou-se a prestar qualquer informação sobre o futuro dos doentes, remetendo para a tutela que tem toda a responsabilidade sobre a matéria para não extravasar competências. Bastos dos Santos referiu que apenas lhe compete gerir o processo, de acordo com as orientações emanadas do executivo angolano.

Uma vez que o Governo de Angola lhes está a "virar as costas", os doentes obrigados a deixarem as residenciais em Lisboa ponderam pedir ajuda à União Europeia, por intermédio de Portugal.

"Infelizmente, vamos ter que contactar as entidades portuguesas para obtermos alguma ajuda. Alguém vai ter que nos ajudar, porque as pessoas vão sair das pensões e não vão ficar debaixo da ponte, não vão ficar na rua. Já que o nosso governo nos descarta, vamos ter de recorrer à União Europeia, a quem de direito, para ver se nos acolhe", disse em protesto Vitorino Leonardo, transplantado há menos de quatro anos.

Através de uma petição, a associação dos doentes angolanos pediu uma moratória para a revisão da decisão sobre as altas compulsivas e regresso forçado a Angola, nomeadamente dos transplantados, para evitar consequências indesejáveis e imprevisíveis.

Centro de reabilitação do Bengo sem material nem pessoal

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