Dois anos depois de Ben Ali, Tunísia leiloa luxo presidencial
14 de janeiro de 2013Há exatos dois anos (14.01.2011), o presidente Zine El Abidine Ben Ali teve de fugir da Tunísia, no âmbito da revolta popular que acabou por ficar conhecida por Primavera Árabe e que se alastrou por outros países árabes da África e além, como a Líbia, a Síria e o Iémen.
O presidente tunisino e sua família deixaram para trás vários bens de luxo, adquiridos em mais de duas décadas no poder.
No salão da exposição destes bens em Tunes, a capital do país do norte africano, o brilho dos carros de luxo não chega para abafar o cintilar das jóias dispendiosas. Aqui, o público interessado pode ver os bens à venda da família de Ben Ali.
Após a fuga do presidente, o governo de transição confiscou o conteúdo luxuoso dos seus palácios, apreendendo dezenas de milhares de itens. Tudo o que não for para os museus será vendido; relógios caros, estátuas de ouro, tapetes persas valiosos e roupas de luxo. A receita será vertida nos cofres do Estado.
Mas não se trata apenas de comércio, diz a directora da exposição, Afef Douss: "O nosso objectivo principal não é vender. Queremos também mostrar tudo o que encontrámos nos palácios. A quantidade de objectos de luxo surpreendeu-nos. De certa forma podemos dizer que esta gente fez algumas poupanças para a Tunísia".
Minoria da elite compra bens, mas poucos admitem
A entrada para a exposição custa o equivalente a 15 euros. O que é bastante caro para a maioria dos tunisinos. Mas mesmo assim muitos acorrem ao recinto para ver como foi aplicado o dinheiro da população nos 23 anos de regime de Ben Ali.
Todos os dias chegam várias centenas de visitantes, que se admiram e discutem diante das vitrinas. Os sapatos e as malas de designers famosos podem ser adquiridas a partir do equivalente a 150 euros, mas há quem pague 10 mil euros por um tapete. No entanto, só uma pequena minoria compra alguma coisa.
"Só vim para ver, não vou comprar nada. Não gosto de usar a roupa de outras pessoas, e muito menos a da ex-primeira dama", explica uma visitante, que não se identificou.
Os organizadores não se esqueceram até de instalar uma caixa automática de dinheiro e um balcão de câmbio para os estrangeiros. A elite social da Tunísia compra com afã, contente com o bom negócio.
Mas quase ninguém quer admitir publicamente que comprou alguma coisa. Um homem de negócios africano, que tampouco se identificou aos microfones da DW, aproveitou a sua estadia em Tunes para adquirir malas e sapatos. Já é a segunda vez que veio à exposição, aberta desde o final de dezembro de 2012. "Felicito as autoridades tunisinas pela organização. Os preços são muito bons e entre 15 a 20% mais baixos do que no mercado normal. Estou deveras impressionado".
Dez milhões de euros das vendas: gota no "oceano" orçamental
Após a venda livre dos objectos com preço inferior a 2.500 euros, em meados de janeiro chega a vez dos carros de luxo. Todos eles são de fabrico especial para a família do presidente escorraçado.
A Tunísia espera obter uma receita de dez milhões de euros destas vendas, que reverterão directamente a favor do Orçamento de estado 2013.
Mas, tendo em conta a depressão económica o país, trata-se de uma gota no oceano. Mais interessante do ponto de vista económico deverá ser a alienação de várias centenas de empresas que pertenceram à família Ben Ali e que agora são administradas fiduciariamente pelo Estado. Acresce o capital da família do antigo regente em contas bancárias no estrangeiro, calculado em milhares de milhões de euros.
Protestos contra governo islâmico moderado
Nesta segunda-feira (14.01), mais de 8 mil manifestantes defensores de um Estado laico se reuniram do lado de fora do Ministério do Interior na Avenida Bourguiba, em Tunes – o mesmo local no qual protestos forçaram Ben Ali a aceitar o fim de seu mandato e fugir do país.
O partido islâmico moderado Ennahda venceu eleições em outubro de 2011, mas pena para restaurar a segurança e a estabilidade no país. Os manifestantes estão descontentes com as taxas de desemprego na Tunísia, o alto custo de vida e também a violência ligada a elementos religiosos.
A segunda-feira (14.01) que marca os dois anos da queda do governo de Ben Ali também foi dia de – modestas – comemorações. Às 8:00h locais, o presidente Moncef Marzouki, o primeiro-ministro Hamadi Jebali e o presidente da Assembleia Constituinte, Mustapha Ben Jaafar saudaram a bandeira na praça da Kasbah, próximo à sede do governo do país.
Pouco depois, Jebali e o secretário geral da União Geral do Trabalho da Tunísia, Houcine Abassi, além da chefe do patronato tunisino, Wided Bouchamaoui, assinaram um "pacto social" na Assembleia Nacional Constituinte (ANC). A assinatura é considerada simbólica, uma vez que miséria e desemprego foram as principais causas da revolução de finais de 2010. Desde meados do ano passado, protestos e confrontos entre manifestantes revoltados com a pobreza e policiais se multiplicaram no país.
Autora: Sarah Mersch (Tunes)/Cristina Krippahl/RK/Reuters
Edição: António Rocha