"Imprensa pública angolana não é digna desse nome"
20 de outubro de 2016"Angola é claramente um regime autoritário", no qual "a imprensa pública não é digna desse nome por estar ao serviço de um grupo", defende Domingos da Cruz, um dos jovens ativistas angolanos condenados em março deste ano no âmbito do processo 15+2 por tentativa de golpe de Estado.
O jornalista e professor universitário descreve as caraterísticas do regime encabeçado pelo Presidente José Eduardo dos Santos no seu livro "Angola Amordaçada - A imprensa ao serviço do autoritarismo" que é apresentado esta noite (20.10), em Lisboa, esta noite pelo político e académico português Francisco Louçã.
Na publicação, lançada por intermédio da editora Guerra e Paz, o autor faz um inventário sobre o esmagador domínio e controlo dos órgãos de informação pública pelo Governo de José Eduardo dos Santos e pelo partido no poder, o Movimento Popular para a Libertação de Angola (MPLA).
Trata-se de uma reflexão centrada na imprensa angolana, com enfoque nos fundamentos da liberdade de expressão numa sociedade ainda muito marcada pelo medo "construído politicamente" para conter os mais críticos, sem que isso impeça, entretanto, o surgimento de focos de resistência, como sublinha Domingos da Cruz.
"Somos, de acordo com as estatísticas oficiais 27 milhões de habitantes, pelo que o grupo de pessoas que se pronuncia sobre a forma como o país está a ser conduzido é demasiado ínfimo", diz.
Falta de liberdade académica
O autor considera que a democracia em Angola é um ideal ainda por alcançar. Reporta-se à recente condenação dos 15+2, que é a prova mais cabal da falta de liberdade. Domingos da Cruz aponta outra liberdade fundamental que a referida condenação pôs em causa: a liberdade científica e académica. "Sou professor e pesquisador e o simples facto de produzir um trabalho de pesquisa, de investigação, custou-me o que custou", lembra.
"E a prova de que estava em causa a liberdade académica e científica é que S. A., uma organização de dimensão mais ou menos global sedeada na Universidade de Nova Iorque (EUA), que tem uma rede em vários países do mundo, colocou-me na lista dos pesquisadores e académicos em risco de morte no seu próprio país e que carece de proteção internacional".
Para o jovem escritor, a Lei da Amnistia, aprovada recentemente pelo Parlamento angolano, é outra "fachada", que também desempenha um papel fundamental na opressão. Afirma que a engenharia jurídica é um corpus que também trabalha para a manutenção do poder. "
Apesar de a lei ter sido aprovada pela Assembleia Nacional, a grande verdade é que essa lei é da vontade do Presidente da República", sublinha o professor. "Pelo que mais uma vez isso prova claramente que em Angola não há democracia. Tudo é conduzido com base na vontade universal e draconiana de um homem", critica.
Imprensa amordaçada
Domingos da Cruz refere ainda vários casos de jornalistas amordaçados pelo regime, dando como exemplo os assassinatos de Simão Roberto, Alberto Chakussanga e o Ricardo de Melo. O grande problema, diz o investigador, é que até hoje esses casos não foram esclarecidos. "Não se encontraram os responsáveis destes assassinatos, o que nos leva a crer, como é óbvio, pela natureza do regime que terá sido o poder a pôr fim à vida destas pessoas".
O caso de Chakussanga, o mais recente, está presente na galeria de jornalistas mortos no exercício da sua profissão no Museu da Liberdade de Expressão e de Imprensa nos Estados Unidos da América.
Face à realidade presente, Domingos da Cruz acredita numa mudança em Angola num futuro próximo, embora não saiba qual é o horizonte temporal. "Não existe mulher e homem nenhum no mundo que seja capaz de sofrer de forma eterna. Haverá um momento em que os angolanos dirão: ou a morte ou a liberdade e alí virá a mudança sim", conclui.
O jornalista e académico angolano é um dos ativistas envolvidos em ações de defesa dos direitos humanos em Angola. Foi no âmbito de uma iniciativa do género, em que participaram outros 16 ativistas à volta de um texto de Domingos da Cruz, intitulado "Ferramentas para destruir o ditador e evitar nova ditadura – Filosofia Política da Libertação para Angola", que foi preso e condenado pelas autoridades angolanas. Detidos a 20 de junho de 2015, em Luanda, os 15+2 foram condenados a 28 de março deste ano por rebelião e associação de malfeitores. Foram presos quando debatiam o livro "Da Ditadura à Democracia" do norte-americano, Gene Sharp.