DSP: "O povo guineense merece um tratamento mais sério"
4 de junho de 2020O presidente do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) não se dá por vencido. Em entrevista à DW África, Domingos Simões Pereira reafirma que o Supremo Tribunal de Justiça é "a única instância de soberania nacional" que pode resolver o contencioso apresentado pelo partido, para que se possa saber, de uma vez por todas, quem venceu as eleições presidenciais de dezembro.
É por isso que o PAIGC vai contestar no Tribunal de Justiça da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) o reconhecimento de Umaro Sissoco Embaló como chefe de Estado.
A CEDEAO reconheceu Sissoco Embaló em abril, já depois de ele ter destituído o Governo de Aristides Gomes, do PAIGC, e empossado um novo Executivo, chefiado por Nuno Nabiam, da Assembleia do Povo Unido-Partido Democrático da Guiné-Bissau (APU-PDGB).
A organização deu também até 22 de maio para a nomeação de um novo Governo. Mas isso não foi cumprido. Sendo assim, segundo Domingos Simões Pereira, a batuta do Executivo deve passar novamente para Aristides Gomes - "até porque quem assinou o decreto da demissão desse Governo nunca teve competências para o efeito."
O novo prazo dado por Umaro Sissoco Embaló para que se chegue a um compromisso político é 18 de junho.
DW África: O Governo demitido da Guiné-Bissau, assim como o PAIGC, anunciaram que iriam pôr a CEDEAO em tribunal, porque a CEDEAO reconheceu em abril Umaro Sissoco Embaló como vencedor das presidenciais... Pode explicar?
Domingos Simões Pereira (DSP): Penso que é importante dizer que a eleição [presidencial] está com um contencioso no Supremo Tribunal de Justiça. Nós interpretamos o comunicado que a CEDEAO decidiu aprovar como uma intenção de encontrar uma solução política - eles entendem que o Presidente está confirmado, o que não é a nossa interpretação, porque a única instância de soberania nacional com competência para dirimir esse contencioso é o Supremo Tribunal de Justiça. Portanto, nós aguardávamos que a própria CEDEAO desse esses sinais de seriedade e de comprometimento, [conduzindo] à nomeação ou ao reconhecimento do Governo que o PAIGC já havia formado na sequência das eleições de 10 de março de 2019 ou à formação de um novo Governo, que seria sempre chefiado pelo PAIGC, de acordo com os resultados eleitorais.
DW África: O PAIGC ainda dispõe, de facto, de uma maioria no Parlamento, uma vez que há partidos que não querem continuar a apoiar o PAIGC, como o APU-PDGB?
DSP: Sabe, a democracia pode ser um regime político complexo, mas, normalmente, as regras são muito claras. O PAIGC ganhou as eleições legislativas com 47 mandatos no Parlamento, formou um Governo e apresentou um programa, que foi aprovado. Se os partidos entendem que eventualmente o PAIGC pode já não ter essa maioria, devem prová-lo na Assembleia Nacional Popular.
DW África: Portanto, para si e para o PAIGC, o Governo destituído, de Aristides Gomes, ainda é o Governo legítimo da Guiné-Bissau…
DSP: Com certeza. Não havendo o acordo político que tinha sido proposto pela CEDEAO, voltamos, a nosso ver, ao Governo de Aristides Gomes - até porque, em qualquer dos casos, quem assinou o decreto da demissão desse Governo nunca teve competências para o efeito.
DW África: Estaria disposto a reconhecer Umaro Sissoco Embaló como Presidente, a bem do país? Há margem para esse compromisso?
DSP: A minha preocupação não é Umaro Sissoco Embaló - a minha preocupação é a nação guineense, o povo guineense. Portanto, penso que, depois da realização das eleições presidenciais, o povo guineense tem direito a saber, de facto, quem ganhou as eleições. Portanto, as decisões que vinham sendo tomadas, apesar de lentas, deviam conduzir a que finalmente se criassem condições para que, de uma vez por todas, todos os cidadãos guineenses pudessem saber, sem sombra de dúvidas, quem foi o eleito. O povo guineense merece um tratamento mais sério, se não das pessoas que se autoproclamam como responsáveis da Guiné, pelo menos das organizações internacionais de que fazemos parte.
DW África: Neste momento, está fora do seu país. Está em Portugal, nomeadamente em Lisboa. Porquê? Sente-se ameaçado, tem medo de voltar ao seu país?
DSP: Obviamente que os cidadãos sentem alguma dose de insegurança e intranquilidade, mas deixe-me deixar claro que isto já vem acontecendo há algum tempo, e isso nunca me impediu de voltar ao país. Eu estou fora do meu país não por essa razão, mas porque não há circulação e, nesta altura, não teria grandes coisas a fazer no terreno. Mas assim que essas condições forem repostas, eu estarei na Guiné-Bissau, porque sou um político guineense e é lá que eu desenvolvo as minhas atividades. Portanto, havendo riscos ou ameaças, ou não, estaremos lá para, enquanto cidadãos, fazemos face a essa situação.