Dívidas em Moçambique: ONG apela à ação dos doadores
21 de agosto de 2017O CIP denunciou que o Governo de Maputo contraiu mais empréstimos sem o conhecimento do Parlamento, entre os anos de 2015 e 2016. Num novo relatório divulgado na semana passada, o CIP considera que a falta de transparência na gestão dos recursos públicos se mantém no país, mesmo depois de todas as reprimendas e alertas internacionais.
Na análise entitulada "Governo continua a contrair empréstimos sem nenhuma transparência", o CIP refere que as autoridades moçambicanas contraíram uma dívida de 4,4 mil milhões de meticais (61 milhões de euros) a favor da Administração Nacional de Estradas (ANE) e de 3,1 mil milhões de meticais (43 milhões de euros) para o Porto de Pesca da Beira, junto do EximBank da China.
Em entrevista à DW África, a especialista em assuntos da dívida e diretora-executiva do Grupo Moçambicano da Dívida (GMD), Eufrigina dos Reis Manoela, explicou a origem dessas dívidas, alertando que os doadores internacionais devem fazer mais do que tratar tais dívidas como um problema a afetar apenas o povo moçambicano.
DW África: Que dívidas são essas e de onde vêm?
Eufrigina dos Reis Manoela (ERM): Segundo nossa constatação e análise, essas situações surgem porque as normas da legalidade da contratação não têm sido observadas. Tudo o que é dívida pública deve passar pelo Parlamento. Em nenhum momento o Governo pode contrair uma dívida pública sem que esta siga os trâmites legais que, neste caso, competem ao Parlamento. Se isso está a acontecer já de forma sistemática, então é algum sinal de que o nosso poder legislativo não está bem.
DW África: Quem são os responsáveis por essas dívidas? Acredita que eles serão descobertos?
ERM: Essas dívidas foram contraídas por pessoas que ainda não conhecemos. Este é um trabalho que ainda estamos a fazer junto da sociedade civil em Moçambique: continuar a insistir que os atores que contraíram essas dívidas sejam identificados, para que também sejam responsabilizados. Se isso não acontecer, Moçambique continuará sistematicamente a contrair dívidas de formas ocultas. Nós cairemos num descrédito, não apenas internacional, mas sobretudo nacional. O cidadão não poderá confiar mais no poder executivo e muito menos no poder legislativo. Isso é muito mau.
DW África: Como a sociedade moçambicana pode reagir?
ERM: Se sociedade não acredita mais em seu próprio Governo, então não colabora. E, se não o faz, isso é muito mau para o processo de desenvolvimento do país. Significa que o Governo pode falir. O Governo e o Parlamento têm possibilidade de pôr ordem no país.
DW África: Se essas dívidas forem confirmadas, qual deverá ser a reação dos doadores internacionais?
ERM: Neste caso, se os doadores estão cometidos com o desenvolvimento e a governação do país, chamamos aqui atenção aos nossos parceiros internacionais para que colaborem naquilo que são as posições dos cidadãos moçambicanos em advertir. Que os doadores não fiquem impávidos, só a olhar, acreditando ser um assunto apenas moçambicano. De facto, tem a ver com o dinheiro que eles investem nesse país, como é utilizado. Por exemplo, qual é o impacto que este dinheiro está a trazer a moçambique, do ponto de vista do desenvolvimento do cidadão. Se eles não estiveram a par dessa preocupação, penso que a própria comunidade internacional terá a perder.
DW África: Acha então que os parceiros internacionais devem questionar mais a utilização dos fundos?
ERM: Exatamente. Em alguns encontros que nós temos com os parceiros de uma forma bilateral temos ouvido "esse é um assunto vosso”. Isso não é bem assim porque o dinheiro também vem de fora. E, se esse dinheiro vem de fora, há responsabilidade. É um dinheiro de outros povos, que estão a contribuir para esses financiamentos. Estamos esperando, portanto, os direitos da população. Nós recebemos esse dinheiro e teremos de pagar por uma dívida, o que vai implicar sacrificar as prioridades que o povo moçambicano gostaria que fossem resolvidas.