Dívidas ocultas: Declarações do MP são fogo de vista?
10 de julho de 2019O Conselho Constitucional de Moçambique declarou, em junho, que o empréstimo e as garantias estatais de 726,5 milhões de dólares à empresa EMATUM eram nulos. E agora o Ministério Público (MP) dá sinais de querer agir contra os funcionários que violaram a lei.
Como os contratos foram considerados ilegais, a Procuradoria pondera "entrar com uma ação cível […] no sentido de responsabilizar aqueles que os celebraram", afirmou na terça-feira (09.07) o procurador-geral adjunto Ângelo Matusse.
A DW África entrevistou Baltazar Fael a propósito destas declarações. O investigador do Centro de Integridade Pública (CIP) de Moçambique saúda a intenção, mas ressalva que é preciso esperar para ver se, depois das eleições de 15 de outubro, a postura do MP em relação ao caso das dívidas ocultas continuará como até aqui.
DW África: O Ministério Público fala na possibilidade de uma "ação cível de regresso" para exigir a recuperação dos valores das dívidas. Até que ponto isto é realista?
Baltazar Fael (BF): Penso que é preciso fixar limites aqui, porque não há dúvidas de que a própria acusação que o Ministério Público fez contra alguns servidores públicos, e outros não, não chega aos dois mil milhões de dólares. Então, dificilmente esse valor todo será recuperado, mesmo nesta ação cível. O que nós achamos é que o Ministério Público está neste momento a fazer aquilo que começou a fazer desde que [o ex-ministro das Finanças] Manuel Chang foi detido na África do Sul, que é encetar ações que já deviam ter sido levadas a cabo há muito tempo. Mas, como se costuma dizer na gíria [popular], mais vale tarde do que nunca.
DW África: Será que estas declarações do Ministério Público serão apenas fogo de vista ou haverá, de facto, a intenção do Ministério Público de avançar com o caso?
BF: Claramente, o timing em que o Ministério Público está a agir - e pelas ações que está a tomar neste momento - pode ser confundido com o facto de as eleições se estarem a aproximar. O que penso que é importante é vermos, de facto, até que ponto o Ministério Público vai propôr essas ações, porque não acredito que [o consiga fazer] este ano, pela complexidade do processo. Então, vamos avaliar, depois das eleições se, de facto, o Ministério Público continua com esta mesma ação enérgica, que está a ter neste momento em que estamos próximos das eleições. A partir daí, vamos tirar as ilações se eram manobras eleitoralistas ou não. Neste momento, penso que temos de deixar, de alguma forma, que o processo vá decorrendo e depois podemos avaliar mais adiante se, de facto, há uma ação genuína no sentido de esclarecer este caso.
DW África: Será que os moçambicanos podem ter esperança de que o dinheiro vai ser recuperado?
BF: Como se costuma dizer, a esperança é a última coisa a morrer. E nós moçambicanos estamos à espera não só de que o dinheiro seja recuperado, mas que este caso seja esclarecido e que, a partir de agora, sejam tomadas medidas para evitar que situações dessas voltem a ocorrer. O Estado já prevê um regulamento, um decreto, que de alguma forma cria novas medidas conducentes à contratação das dívidas, que tornam um pouco mais difícil que simples funcionários ligados às Finanças do país possam, de alguma forma, contrair dívidas e que depois ninguém saiba o que está a acontecer.
DW África: Será que, neste caso, o Ministério Público deveria cooperar com outros países para conseguir recuperar este dinheiro?
BF: Sem dúvida alguma. É um crime transnacional, que envolveu várias jurisdições. O que está inscrito na Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção é que os Estados signatários da convenção podem cooperar com vista ao esclarecimento de matéria criminal. Então, neste processo, é dever do Ministério Público cooperar com os Estados que, na sua maioria, também são signatários desta convenção, com vista à recuperação desses ativos.