Eleições em Moçambique marcadas por incidentes e confrontos
16 de outubro de 2014O porta-voz da Comissão Nacional das Eleições (CNE), Paulo Cuinica, considerou, quarta-feira (15.10), que o processo de votação correu bem, “tirando um incidente aqui e acolá.”
Embora as autoridades eleitorais tenham feito um balanço positivo das eleições, órgãos de informação nacionais e redes sociais denunciaram ilícitos eleitorais em quase todo o país, no dia em que quase 11 milhões de moçambicanos foram chamados às urnas.
Dezenas de postos de votação no centro e norte do país permaneciam encerradas a meio da manhã, por causa de erros nos cadernos eleitorais ou devido à ausência dos membros das mesas. E depois das 18:00 locais, hora prevista para o encerramento das urnas, em várias assembleias de voto continuava a haver longas filas de eleitores.
Até às 14h30 apenas 34% dos recenseados tinham votado em 778 mesas de voto verificadas, segundo dados do Observatório Eleitoral, a maior organização de observação presente nas eleições, citados pela agência de notícias Lusa.
O dia ficou também marcado por denúncias de diversos incidentes e suspeitas de fraude em várias províncias.
Confrontos com a polícia em Nampula
Na cidade de Nampula, no norte, a polícia moçambicana envolveu-se em confrontos com a população, quando tentava dispersar concentrações de pessoas junto de mesas de voto para as eleições gerais.
Em vários pontos da periferia, a polícia usou balas reais e gás lacrimogéneo para dispersar as pessoas que se mantinham perto das assembleias de voto, avisando-as que não podiam permanecer no local.
Nas últimas horas da votação, as assembleias da EPC nos Belenes registaram “uma enchente irregular dos eleitores que logo pela manhã foram impedidos de exercer o seu direito devido ao desaparecimento dos cadernos eleitorais”, segundo o boletim do Centro de Integridade Pública (CIP) e da Associação dos Parlamentares Europeus em África (AWEPA).
Ainda em Nampula, um homem foi apanhado a tentar introduzir votos previamente preenchidos a favor do candidato presidencial do partido no poder, a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), mas conseguiu escapar.
Tiroteios na Beira
Na cidade da Beira também se registaram concentrações de pessoas que se recusavam a abandonar os postos de votação, alegando uma tentativa de fraude eleitoral.
De acordo com o boletim do CIP e AWEPA, que têm estado a acompanhar o processo eleitoral através de uma rede de 150 jornalistas espalhados por todo país, em Macombe, no bairro da Munhava, agentes da Força de Intervenção Rápida (FIR) disparam balas e usaram gás lacrimogéneo para dispersar eleitores que não quiseram abandonar o local depois da votação.
“A população da Munhava não desiste. Resolveram invadir as instalações onde se está a fazer contagem de votos, mesmo com a presença da FIR, os munhaveiros gritam, gritam e gritam”, relatou um cidadão que se encontra na Beira ao “Txeka-lá”, uma plataforma online para observação e relato em tempo real do processo eleitoral em Moçambique.
Segundo o correspondente da DW África na Beira, Arcénio Sebastião, na noite de quarta-feira, estrada nacional número seis, a única entrada terrestre para a cidade da Beira, estava completamente bloqueada e havoia “pneus a arder, pedregulhos e troncos a bloquear estrada.”
Também na Beira um homem não credenciado pelas autoridades eleitorais foi preso quando tentava transportar seis urnas com boletins para um posto de votação.
Membro do MDM baleado
No distrito de Dondo, na província central de Sofala, um membro do Movimento Democrático de Moçambique (MDM) teve de ser hospitalizado “na sequência de dois tiros atirados por um agente da polícia”, de acordo com o boletim do CIP e AWEPA.
Segundo as organizações, o cidadão, cujo nome não foi apurado, estaria “a contestar a introdução de uma urna pré-preenchida numa assembleia de voto” quando se desencadeou um tumulto.
O membro do MDM foi atingido nas duas pernas, “numa das quais partiu o osso”, é ainda referido no boletim sobre o processo político de Moçambique.
Tentativas de fraude
Nas últimas horas da votação começaram também a ser denunciados vários casos de tentativas de fraude em vários pontos do país, sobretudo através do enchimento de urnas.
Em Tsangano, na província de Tete, 2700 boletins de voto foram queimados por suspeita de fraude. De acordo com o boletim do CIP e AWEPA, membros da Resistência Nacional moçambicana (RENAMO) suspeitaram da prática do chamado "enchimento" prévio de urnas e queimaram o material eleitoral. Seguiram-se confrontos com a polícia.
Segundo Ibrahimo Mangera, primeiro vice-presidente da Comissão Provincial de Eleições de Tete, as mesas abriram na ausência dos delegados daquele partido, que se atrasaram. “Quando chegaram, exigiram que o processo fosse reiniciado e este pedido não foi aceite, disse Mangera.
As organizações revelam também que em Chidenguele, província de Gaza, no sul, “um cidadão, membro de um grupo de observadores desconhecido, pegou em boletins de voto da mesa principal e colocou-nos numa abertura da cabine onde os eleitores preenchem o seu boletim de voto”.
Os boletins estavam marcados a favor do partido no poder. “A ideia, ao que tudo indica, era que os membros da FRELIMO, quando fossem votar, para além do seu boletim de voto, também dobrariam os previamente colocados e preenchidos e depois iriam introduzir na urna”, lê-se no documento.
No distrito de Dondo, província de Sofala, um membro da mesa de voto agrediu um repórter do jornal Zambeze, que ficou com a sua câmara fotográfica destruída “porque continha imagens e informações que mostravam os membros da mesa de voto a preencherem boletins do voto a favor do partido FRELIMO e uma professora que foi flagrada quando tentava introduzir os boletins nas urnas.”
Em Coalane, na cidade de Quelimane, é ainda denunciado o caso de uma pessoa encontrada numa assembleia do voto com 17 boletins preenchidos a favor do candidato da FRELIMO. Também foram encontradas urnas clandestinas no carro de um agente da polícia em Quelimane.
LDH e CIP pedem anulação de assembleias
A presidente da Liga de Direitos Humanos (LDH), Maria Alice Mabota, e o diretor do CIP, Adriano Nuvunga, escreveram uma carta aberta ao presidente da CNE, Abdul Carimo, a pedir a intervenção do órgão na resolução de problemas registados em duas assembleias de voto na Beira.
Segundo o CIP e a LDH, até às 12h00 de quarta-feira, seis mesas de votos na cidade da Beira, província de Sofala, não tinham sido abertas para que os cidadãos inscritos pudessem votar.
Também em Monapo, nas localidades de Nakulo e Itokulo, “o processo de votação apenas começou às12 horas”, acrescentam.
As organizaçõeslembram ao presidente da CNE que nenhuma assembleia de voto pode funcionar depois de quatro horas do horário de abertura. Até ao momento, a CNE não reagiu a esta carta aberta.