Eleições em si não garantem estabilidade na Guiné-Bissau, diz analista
5 de março de 2013Em entrevista à DW África, o investigador português Bernardo Pires de Lima, do Instituto Português de Relações Internacionais e da Universidade norte-americana Johns Hopkins, traçou possíveis cenários para o país.
DW África: Acredita numa estabilidade política a curto prazo para a Guiné-Bissau?
Bernardo Pires de Lima: Eu parto do princípio que nenhuma estabilidade está garantida enquanto as forças armadas não forem alvo de uma profunda reforma e não se submeterem ao poder civil, ao poder político democraticamente eleito. Portanto, não acredito que a realização de eleições por si só garanta a estabilidade que a Guiné-Bissau precisa. O outro ponto é saber se a inexistência de eleições num horizonte de curto prazo não seria ainda pior para agravar a instabilidade que a Guiné-Bissau cronicamente apresenta.
DW África: A CEDEAO irá desempenhar algum papel neste processo eleitoral?
BL: Já está a desempenhar. A CEDEAO, Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental, é a grande vencedora de todo este processo de transição. Repare que o roteiro da CPLP, a Comunidade de Países de Língua Oficial Portuguesa, foi completamente posto de lado. Portugal perdeu a mão ao processo que liderou desde o início de abril de 2012, quando se deu o golpe de Estado, no fundo defendendo com a CPLP, unanimamente, sanções à Guiné-Bissau, às entidades que procederam ao golpe.
Mas a partir do momento em que todos os partidos políticos e que a CEDEAO e que até o próprio representante das Nações Unidas, José Ramos-Horta, começam a validar um roteiro e uma legitimidade, digamos, temporal ao Governo e à presidência de transição, o roteiro da CPLP e de Portugal sai muito defraudado, muito enfraquecido, e, de facto, a CEDEAO tomou conta das circunstâncias. Quer me parecer que a CEDEAO estará mais fortalecida na altura de monitorizar as eleições.
DW África: Acredita que Carlos Gomes Júnior, primeiro ministro do anterior Governo derrubado, pode ser um dos nomes na corrida eleitoral?
BL: [Se] o conceito de transparência e de liberdade for respeitado ou não pelas autoridades que vão monitorar as eleições e pelo grau de flexibilidade que existe em aceitar que ele foi deposto e regressar ao seu país. Quando falo, falo exatamente das entidades que estão a liderar este processo de transição, tanto do lado político como do lado militar.
Esta relação civil-militar é que me parece absolutamente contra natura para qualquer estabilidade futura de curto e médio prazo na Guiné-Bissau. Provavelmente vamos assistir mais conflitulidade (sic) interna a medida em que a pirâmide das forças armadas se mantiver no estado em que está, muitas chefias... Enquanto não houver paz entre entidades políticas eleitas democraticamente e as estruturas líderes das forcas armadas, a Guiné-Bissau está condenada a viver periodicamente de transição em transição para um período que nós não sabemos se será pior que o anterior ou não.
DW África: A Guiné-Bissau está a quase um ano sem Governo formado. Apenas o poder foi formalmente transferido para as mãos dos civis. Qual é a urgência destas eleições e da reposição de um poder político efetivo na Guiné-Bissau?
BL: O primeiro ministro interino já se queixou que não tem orçamento, que não tem condições para qualquer tipo de evolução no desenvolvimento económico e social do país. Parece-me que, com as sanções que existem, nomeadamente da CPLP, agravam ainda mais a situação no terreno guineense.
Depois, há uma falta de ajuda internacional que olhe para os interlocutores em Bissau como válidos e credíveis. O que também não acontece neste momento. Portanto, penso que Ramos-Horta, aqui, poderia contribuir para uma solução "mais Nações Unidas" e "menos organizações regionais africanas", e portanto contribuir para uma solução [do estilo] "chapéu Nações Unidas", durante, por exemplo, uma década, que contribuísse para uma reforma que a Guiné-Bissau necessita.
Autora: Francisca Bicho
Edição: Nádia Issufo / Renate Krieger