Eleições estaduais na Alemanha: A força da AfD no leste
30 de agosto de 2019Sem o movimento pelos direitos civis da extinta República Democrática da Alemanha (RDA), a Alemanha de hoje seria diferente. Muito diferente.
Há 30 anos, dezenas de milhares de manifestantes contribuíram para a queda do Muro de Berlim e para a reunificação do país, que estava dividido há décadas. As pessoas que saíram às ruas na antiga RDA exigiam liberdade e respeito pelos direitos humanos.
Agora, pouco antes das eleições em três estados do leste da Alemanha, os "slogans" daquela época estão a ser apropriados.
Na Saxónia e em Brandemburgo, realizam-se eleições a 1 de setembro e na Turíngia, no final de outubro. E, durante a campanha, os populistas de direita do partido Alternativa para a Alemanha (AfD) têm usado frases como "Torna-te Ativista Cívico" ou "Conclui a Mudança" para conquistar os eleitores. São "slogans" associados aos anos pós-reunificação - para muitos, marcados pela frustração, desilusão e por promessas não cumpridas.
RDA como argumento
Na sua página oficial na Internet, a AfD compara a Alemanha de hoje com a antiga RDA. "Quem hoje pensa de forma 'diferente' é tão oprimido como na altura em que a Stasi o fazia", lê-se. A Stasi, o Ministério para a Segurança do Estado da RDA, espiou membros da oposição, intimidou dissidentes e violou os direitos civis.
"Sentimo-nos novamente como na RDA", disse recentemente um homem que nem lá estava há 30 anos. Björn Höcke é o líder da ala nacionalista de direita da AfD, lidera o partido na Turíngia e nasceu na Alemanha Ocidental. No entanto, sente-se apto a dizer: "Não fizemos a Revolução Pacífica para isso, caros amigos".
De acordo com algumas sondagens eleitorais, a Alternativa para a Alemanha poderá ser a força mais votada nas eleições nesses três estados-federados do leste: Saxónia, Brandemburgo e Turíngia.
E isto apesar do facto de muitos políticos de topo da AfD expressarem abertamente ideias de extrema-direita e chamarem a atenção com comentários racistas.
Segundo uma sondagem de meados de agosto, 24% dos eleitores do leste da Alemanha votariam na AfD em eleições legislativas federais. No oeste, esta percentagem seria de 12%. Para a cientista política Judith Enders, isso pode explicar-se com os efeitos que a reunificação teve na sociedade.
"Não penso que a maioria dos eleitores da AfD seja necessariamente extremista de direita e tenha opiniões extremistas de direita. Mais do que isso, existe uma grande insatisfação no leste da Alemanha pelo facto de as pessoas não se sentirem levadas a sério no seu desenvolvimento individual, de como sofreram as rupturas biográficas que a reunificação trouxe consigo. Elas sentem que não são ouvidas, levadas a sério, e que também não são reconhecidas", avalia.
Separados pela desigualdade
Os alemães do leste representam apenas 17% da população total do país. Mais importante, no entanto, é a sua falta de representação na sociedade alemã como um todo: ocupam apenas 1,7% de todas as posições de topo na economia, na política e na administração alemãs.
Após a reunificação, a elite socialista da RDA foi substituída pelos alemães ocidentais.
Enders cresceu no leste da Alemanha e ajudou a fundar uma iniciativa que quer rever o conceito do termo "oriental".
"É importante levar a sério cada um com a sua história individual. O alemão oriental é sempre retratado de uma forma generalizada. É claro que este está longe de ser o caso. Houve pessoas que lucraram com a reunificação. E houve pessoas cujas condições de vida não melhoraram tanto", considera a especialista.
De acordo com as estatísticas, os trabalhadores ainda ganham muito menos no leste que na parte ocidental da Alemanha. Além disso, desde a queda do Muro de Berlim, centenas de milhares de alemães orientais, sobretudo os jovens, viraram as costas à sua cidade natal. Aqueles que ficaram tiveram de lidar com o colapso da economia no leste do país - e com um desemprego elevado.
Em 2019, em média, 6,6% da população do leste e 4,7% da população no lado ocidental estavam desempregados.
"Verão da Solidariedade"
No entanto, as consequências da queda do Muro de Berlim não são a única explicação para o sucesso eleitoral da direita. De acordo com um estudo da Universidade de Leipzig, quase metade dos entrevistados no leste da Alemanha tem reservas quanto a estrangeiros e minorias, enquanto, no país inteiro, um terço das pessoas partilha dessas posições.
Nos últimos anos, várias cidades do leste têm aparecido constantemente na imprensa com manchetes negativas: Seja por causa do movimento racista Patriotas Europeus Contra a Islamização do Ocidente (PEGIDA), ou dos ataques a migrantes ou dos motins de, em parte, radicais de extrema-direita em Chemnitz.
Muitas pessoas na antiga RDA têm resistido à transformação do leste do país numa fortaleza da direita. As iniciativas "Wann Wenn Nicht Jetzt" ("Quando, Se Não Agora", na tradução literal para o português) e "Aufbruch Ost" ("Despertar do Leste") lutam contra o racismo, mas também querem discutir a forma como os alemães do leste encaravam a vida durante e depois da RDA.
Sob o lema "Verão da Solidariedade", organizam concertos, leituras e painéis de discussão em todo o leste do país. A 24 de agosto, juntamente com outras iniciativas, as duas organizações apelaram a manifestações pela solidariedade, contra a exclusão.
Cidade e estado divididos
Ana-Cara Methmann cresceu no norte da Alemanha e vive em Leipzig, na Saxónia, há dez anos. Ela é a porta-voz da #Unteilbar-Bündnis, uma iniciativa contra o racismo.
Leipzig é uma cidade moderna. Nas eleições europeias de maio, o partido Os Verdes conseguiu estabelecer-se como a maior força, com 20,2% dos votos. Com 15,5%, a AfD obteve um resultado pior do que no resto do estado.
A Alemanha não se divide apenas entre ocidente e leste, mas também entre as cidades e as regiões.
São, muitas vezes, as coisas mais práticas, do dia-a-dia, que causam essas fissuras: zm autocarro que só circula duas vezes por dia num determinado sítio, uma estação de comboios que fica a 20 quilómetros de distância.
Ana-Cara Methmann, que dá seminários sobre discriminação em todo o estado, teve essa experiência. Na Saxónia, o Governo conservador da União Democrata Cristã (CDU) contribuiu, durante décadas, para uma AfD forte, diz.
"Nos últimos anos - isso é visível na Saxónia - foram cortados cada vez mais fundos para empregar jovens ou para centros juvenis. Há também ofertas por parte da direita e, se não houver uma contra-oferta, elas serão bem vindas", argumenta.
Methmann diz que a melhor forma de lutar contra o extremismo de direita é dar oportunidades às pessoas de participarem ativamente na vida social e estimular as iniciativas democráticas e de cada indivíduo.