Eneas Comiche: Ex-autarca regressa para "modernizar Maputo"
9 de outubro de 2018Aos 79 anos, dez anos depois de ter deixado o comando da principal autarquia de Moçambique, Eneas Comiche desempoeirou as chuteiras para regressar à corrida eleitoral. "Vamos fazer de Maputo um município de referência a nível nacional, regional e internacional, uma cidade modernizada, desenvolvida e limpa", prometeu no arranque da sua campanha no campo do Ferroviário das Mahotas, nos subúrbios de Maputo.
O cabeça de lista da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) já foi presidente do município de Maputo, de 2004 a 2008, após vencer as eleições de 2003, e agora quer fazer da capital uma das "melhores cidades de África".
Em campo enfrenta o general na reserva Hermínio Morais, da Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), o principal partido da oposição, e Augusto Mbazo, do Movimento Democrático de Moçambique (MDM), o terceiro maior partido.
No banco ficaram dois nomes sonantes: o mediático Venâncio Mondlane, que depois de ter sido afastado pelo Comissão Nacional de Eleições (CNE) por "motivos procedimentais" aceitou ser porta-voz da campanha de Hermínio Morais, e Samora Machel Júnior, o filho do primeiro Presidente moçambicano, que depois de ter visto os seus objetivos frustrados pela FRELIMO ainda tentou concorrer como independente, mas foi afastado pela CNE por irregularidades na lista de candidaturas.
Segundo a imprensa moçambicana, é quase certo que o veterano da FRELIMO conquiste um segundo mandato nas eleições de 10 de outubro. "Pela forma como as eleições em Maputo foram cozinhadas, pela forma como os candidatos Venâncio Mondlane e Samora Machel Júnior foram afastados pelo Conselho Constitucional, acho que o caminho está aberto para que Elias Comiche se torne edil de Maputo", concorda Francisco Carmona, editor do semanário Savana.
O analista moçambicano Alexandre Chiure também já tinha dito à DW África que Comiche tem boas hipóteses de sair vencedor nestas eleições: "A FRELIMO tinha de jogar forte, porque a cidade de Maputo é bastante cobiçada."
Íntegro e experiente
Eneas Comiche nasceu em 1939, em Moma, na província de Nampula, no norte do país. O experiente economista - que estudou Economia na Universidade do Porto, em Portugal - já foi ministro das Finanças e governador do Banco de Moçambique. Atualmente é presidente da Comissão Parlamentar do Plano e Orçamento e membro da Comissão Política do partido no poder.
No site da Wikileaks, a organização sem fins lucrativos com sede na Suécia que se tornou famosa nos últimos anos por divulgar informações e documentos confidenciais, é descrito como alguém "muito próximo e confidente de Joaquim Chissano", o ex-Presidente de quem é amigo desde a juventude.
"Ele é bastante conhecido pela sua integridade, pela sua verticalidade, pela sua seriedade e pelo compromisso contra a corrupção. E talvez essa tenha sido uma das razões pelas quais não lhe foi permitido concorrer nas eleições municipais de 2008", conclui o jornalista Fernando Gonçalves.
A sua gestão municipal deixou boas memórias, mas nem por isso foi escolhido pela FRELIMO para concorrer a um segundo mandato, que preferiu avançar com David Simango - autarca que não ficou famoso em Maputo pela sua popularidade. "Por razões que ninguém conseguiu explicar, ele foi impedido de concorrer a um segundo mandato", lembra o editor do Savana.
Segundo documentos divulgados no site da Wikileaks, membros da comunidade diplomática concluíram que a não nomeação de Comiche foi a forma de o então Presidente Armando Guebuza "enviar a mensagem de que a lealdade partidária é mais importante do que a boa governação."
Agora, a FRELIMO volta a apostar no veterano para tentar recuperar a popularidade na capital. "Nos principais segmentos de influência e opinião pública, o camarada Eneias Comiche figura com uma das mais renomadas referências de integridade", anunciava o partido no poder na sua página online, no dia em que o veterano foi apresentado como cabeça de lista em Maputo.
"O melhor edil que Maputo já teve"
Para todos os efeitos práticos, diz o editor Fernando Gonçalves, "ele parece ter sido o melhor presidente do município da cidade desde a independência." E não são poucos os que pensam desta forma. "Comiche foi e é o melhor edil que Maputo já teve. Por isso, merece o nosso respeito", escrevia em 2008 o sociólogo e investigador Carlos Serra no seu blogue "Diário de um sociólogo", onde tecia elogios ao então edil e à sua "equipa trabalhadora" e às mudanças de que a cidade beneficiou - "de fundo, não cosméticas, não do tipo tapa buraco depressa."
"O edil sempre procurou e procura evitar a gestão urbana patrimonialista, pondo travões aos apetites fundiários" e "sempre tem procurado a participação dos citadinos", destacava ainda o académico, que já previa que Comiche não fosse reeleito: "A luta de bastidores é sempre dura e possivelmente alguns não perdoarão a Comiche certas atitudes verticais."
Eneas Comiche "melhorou visivelmente as estradas, a iluminação, o tráfego, a recolha de lixo, o saneamento, os esgotos e os mercados da capital durante o seu mandato e provavelmente teria sido incontestado se a FRELIMO o tivesse renomeado", lembra a Wikileaks.
São também citadas informações que "sugerem que a posição de Comiche contra a corrupção pode tê-lo tornado um inimigo de empresários com fortes ligações à FRELIMO." Os residentes de Maputo parecem ter ficado surpreendidos e desiludidos com a decisão da FRELIMO de não nomear o veterano, lê-se ainda no documento.
Fernando Gonçalves recorda que foi Eneas Comiche que lançou o projeto de reabilitação da marginal de Maputo, com fundos provenientes do Banco Mundial. "Ele tem essa capacidade de procurar fontes de financiamento. Tem muita experiência e conhece os locais onde se pode ir buscar fundos para o desenvolvimento da cidade", destaca.
O jornalista lembra que o grande problema da cidade de Maputo é a periferia, "uma zona sem arruamentos e que precisa de muito trabalho". Se ganhar estas eleições, diz, todos esperam que Eneas Comiche "faça um trabalho muito importante nestas áreas." E que "trabalhe com o mesmo espírito que caracterizou o seu único mandato", concorda o analista Alexandre Chiure. O próximo edil de Maputo é eleito amanhã.