Angolanos em Portugal lamentam não poder votar
21 de agosto de 2017Nas últimas semanas, em época alta, os voos diários para Luanda a partir do Aeroporto de Lisboa andam lotados. A afluência é grande, sobretudo de cidadãos angolanos que se deslocam ao país para férias. A deslocação é também uma oportunidade para os angolanos recenseados exercerem o seu direito de voto nas eleições gerais de quarta-feira (23.08).
Quem gostaria de estar num destes voos para ir votar é Laurinda Veiga, a viver há oito anos em Portugal. "Era meu desejo votar. Neste momento, já não dá, porque as eleições já estão próximas". O tempo não é o único impedimento, diz Laurinda: "Sem meios financeiros, foi impossível deslocar-me a Angola. Fiquei sem dinheiro".
O desejo desta cantora angolana, mais conhecida por "Linda Gala", fica assim adiado, ao contrário do de Armindo Queza, que viajou neste último sábado para Angola, a partir do norte de Portugal. É o primeiro secretário da estrutura do MPLA, partido no poder em Angola, no Porto. Planeou as férias para esta altura, coincidindo com as eleições do dia 23. Contou à DW África que os cidadãos viajam para Angola por sua conta e risco, não havendo aqui qualquer participação financeira por parte do seu partido. "À semelhança dos militantes do MPLA, também os militantes de outras formações políticas que residem no exterior estão a deslocar-se para o país para poderem participar nas eleições".
Não há campanha em Portugal
Uma vez que os angolanos não votam no exterior, não há exposições públicas explícitas que se traduzam em ações de campanha eleitoral em Portugal.
"O que se passou em Portugal durante a pré-campanha foi darmos a conhecer o perfil do candidato [João Lourenço], o programa do MPLA para o Governo e a Moção de Estratégia. Portanto, não há campanha eleitoral porque não se realizam eleições na diáspora", explica Armindo Queza.
Na fase de pré-campanha, o MPLA realizou atividades de sensibilização e informação nas zonas Norte, Centro e Sul de Portugal, com concentração no Porto, Lisboa e Algarve.
"Cada um com os seus esquemas"
O cantor angolano Bonga considera negativa a prática do partido no poder que, usando da sua influência e recurso ao erário público, mobilizou angolanos, seus militantes, a viver na diáspora, para irem votar em Angola a favor do MPLA, "da mesma forma que existem artistas que são do regime e que viajam nos aviões de primeira classe e executivos. Vamos dizer as coisas como elas são".
"Cada um com os seus esquemas, não é verdade? O que é certo é que isso não é salutar. Não é bom", considera. Bonga lamenta as dificuldades dos residentes no estrangeiro que pretendem participar nas eleições: "Mesmo eu, para me inscrever [nos cadernos eleitorais], tinha que viajar para Luanda. Ia tirar o pão da boca das crianças para comprar bilhete de avião para ir? Como eu não sou o tal que desfruta dos privilégios da nomenclatura, então fico só cá fora a mandar as dicas".
Oposição critica processo
A representação da UNITA em Lisboa também condena a impossibilidade da maioria dos cidadãos da diáspora de se deslocar a Angola para exercer o seu direito de voto.
"É uma ocasião única. O ato de votar em si reforça o cordão umbilical à pátria. Porque se se cortam essas possibilidades - e a possibilidade de votar é uma das maiores conquistas do cidadão em regime democrático -, é evidente que o interesse pelo país vai esmorecendo", diz Jaime Furtado Gonçalves, representante da UNITA junto da comunidade angolana em Portugal.
"Isso significa - todos nós sabemos - que a nossa imigração - que não é rica, de maneira nenhuma - se sinta praticamente cortada, sem qualquer possibilidade de exercer esse direito. Terá de se deslocar a Angola e isso implica custos substanciais", acrescenta.
Ainda assim, a UNITA desenvolveu atividades em Portugal, durante a fase de pré-campanha. "A nossa ação incidiu na explicação aos militantes do desenvolvimento da campanha, mas também, sobretudo, na informação dos órgãos de soberania portugueses", explica Jaime Furtado Gonçalves.
Nesse sentido, a UNITA teve encontros na Assembleia da República com todos os grupos parlamentares e partidos políticos e órgãos de comunicação social.
Para o partido angolano, segundo Furtado Gonçalves, era importante fazer a sociedade portuguesa acompanhar, passo a passo, aquilo que os militantes pensam da situação em Angola.
"Há realmente aquela amálgama entre partido no poder e Estado que faz com que acabemos por ficar afastados. Quase que não temos voz", conclui o representante da UNITA.
Apesar de muita insistência, a DW não conseguiu falar com os representantes das outras formações partidárias angolanas em Lisboa, cujas atividades foram pouco visíveis.