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Faltam “peças-chave” no julgamento do caso Kamulingue e Cassule em Angola

Nádia Issufo1 de setembro de 2014

O caso dos dois ativistas assassinados em maio de 2012 começou a ser julgado num tribunal de Luanda esta segunda-feira (01.09). Há setenta arguidos. Ativista diz que foram descuradas figuras-chave no processo.

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Manifestantes reclamam verdade sobre destino de Kamulingue e Cassule num protesto em Benguela (23.11.2013)Foto: DW/N. Sul d´Angola

Os familiares das vítimas querem que não só os autores materiais respondam pelos crimes no Tribunal Provincial de Luanda, como também os autores morais.

Alves Kamulingue e Isaías Cassule foram raptados na via pública, em Luanda, nos dias 27 e 29 de maio de 2012, quando tentavam organizar uma manifestação de veteranos e desmobilizados contra o Governo do Presidente José Eduardo dos Santos.

Em comunicado de dezembro de 2013, aquando das primeiras detenções, a Procuradoria-Geral da República angolana referiu que os dois ex-militares terão sido assassinados por agentes da Polícia Nacional (PN) e da Segurança do Estado.

Demonstration in Benguela Angola
Protestos em Angola contra o regime têm subido de tomFoto: DW

No entanto, as expectativas em relação a este processo são baixas, como revelou a DW África o ativista angolano Mbanza Hamza:

DW África: Quais são as suas expectativas em relação ao julgamento que começou esta segunda-feira (01.09)?

Mbanza Hamza (MH): Eu estou reticente por duas razões. Primeiro porque a nossa justiça está muito comprometida com o poder. A segunda razão tem a ver com aquilo que mais parece ser um teatro e uma encenação do que a preocupação de aplicar Justiça. Uma das peças fundamentais do caso, o jovem Benilson da Silva conhecido por "Tucayanu", foi o responsável por ter atraído uma das vítimas à morte e está solto. E não só está solto há muitos meses, como circularam fotos dele nas redes sociais onde ele aparece super feliz e mais gordo do que quando o conhecemos.

Essa é uma das peças fundamentais que não devia ter sido deixada de lado. Os que foram a julgamento hoje, na cadeia onde eles têm estado em Viana, têm uma vida descontraída. Fazem churrascadas, nem sentem remorsos pelo que fizeram. Vamos ver o desfecho. Mas parece que isto foi um julgamento consertado para encenar e mostrar que a Justiça fez alguma coisa. Mas para bater o martelo como deve ser acho que ainda estamos longe. Isso poderia ser um tiro no sistema.

DW África: Setenta arguidos num processo não é pouco. Será esta uma tentativa da Justiça angolana mostrar trabalho?

MH: Não acho que seja essa a razão. O Estado tem estado preocupado em mostrar uma boa imagem ao mundo. Angola tem sido considerado um país estratégico na resolução de conflitos em África. Tudo falácia. É esta preocupação que os move. Como este caso se tornou muito mediático, e não têm como o ocultar, vão-se fazendo estas encenações.

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Há casos mais antigos, como o caso do Mfulupinga, do Ganga, que ninguém fala, do Alberto Chakusanga, jornalista da Rádio Despertar, o de Milocas Pereira, professora da Guiné-Bissau… Há um conjunto de casos que não foram esclarecidos e que não estão a ser investigados. O histórico da nossa Justiça não tem sustentação e não é agora que vai mostrar trabalho. É mais uma questão de inglês ver. Muitas peças estão a ser ignoradas, como o Tucayanu, que não podia ser ignorado.

DW África: Neste julgamento, estão os supostos autores materiais. Acha que é uma tentativa de proteger os autores morais?

MH: Carece de confirmação se os autores apresentados como os materiais são realmente os materiais. Se eu acho que o Tucayanu está a gozar de impunidade, eu posso crer que os verdadeiros autores materiais não devem estar a ser julgados. Talvez um ou dois. Os autores morais, o senhor governador Bento Bento, o antigo ministro do Interior, não sei o que é feito deles… Essa gente toda não fala. Eu acho que em qualquer estrutura do Estado nenhum subordinado toma uma decisão de assassinar duas pessoas sem o consentimento superior e hierárquico.

Nito Alves
Num outro caso de violação dos Direitos Humanos, o jovem ativista Nito Alves esteve detido mais de dois meses por usar t-shirts que criticavam o Presidente angolanoFoto: Maka Angola

É um conjunto de pulgas atrás da minha orelha que me levam a temer e ver isto mais como uma encenação do que uma preocupação para fazer justiça. Acho que se deveria mostrar mais seriedade e chamar mais pessoas.

DW África: Até hoje não se sabe o que aconteceu aos corpos de Kamulingue e Cassule e isso inquieta os familiares e a sociedade angolana. Esta é uma das coisas que espera que se saiba no fim do julgamento?

MH: Quando começou o processo havia uma promessa de análise de ADN. Já vão mais de seis meses e até agora não há nenhuma delegação de deputados. Até agora não sabemos onde param os corpos. Não sabemos se foram mesmo mortos ou se estão em algum lugar. Os resultados não saíram. Vamos esperar pelo julgamento. Eu temo… Com resultados de ADN, alguma coisa poderia ficar esclarecida. Mas não espero que vá haver algum esclarecimento nesta primeira fase do julgamento.

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