"Forçar eleições" na Guiné-Bissau é "detonar uma bomba"
18 de setembro de 2024Na Guiné-Bissau, assiste-se a uma grande movimentação política nos últimos dias - com quase todos os principais partidos a reunirem órgãos internos para se debruçar sobre a tensão política instalada no país.
Formam-se novas alianças e desfazem-se antigas, para concertar posições face ao dilema que os partidos têm pela frente: participar ou não nas eleições legislativas marcadas para 24 de novembro.
A maioria dos partidos com assento parlamentar continua a contestar a dissolução da Assembleia Nacional Popular (ANP) e não esclarecem ainda se vão participar no escrutínio de novembro. Mais, invocam a Constituição do país para exigir a marcação de eleições presidenciais para este ano, já que o mandato do Presidente Umaro Sissoco Embaló, termina em fevereiro de 2025.
Outro problema que a oposição enumera é a falta de quórum do plenário do Supremo Tribunal de Justiça para analisar as candidaturas e eleger um novo presidente daquela instância máxima da justiça guineense.
O Secretariado executivo da Comissão Nacional de Eleições (CNE) também está caduco há mais de quatro anos. Tudo isso leva Idriça Djaló, líder do Partido da Unidade Nacional (PUN), a concluir que a Guiné-Bissau não está em condições de realizar nem eleições presidenciais e nem as legislativas.
Para Idriça Djaló, líder do partido extraparlamentar, é urgente criar amplos consensos em todo o país, porque, segundo disse, "forçar eleições inúteis, neste contexto, é como se fosse detonar uma bomba e empurrar o país para um conflito".
DW África: Com esta atmosfera política que se vive no país, a Guiné-Bissau estará em condições de realizar eleições presidenciais ou legislativas?
Idriça Djaló (ID): Não restam dúvidas para ninguém na Guiné-Bissau, mesmo para um observador no exterior que se interessa minimamente pelos assuntos da Guiné-Bissau, que a organização de eleições - quaisquer que sejam, legislativa ou presidencial - é apenas colocar o detonador numa bomba que espera para explodir.
Esta exacerbação das tensões políticas, combinada a instituições que já perderam legitimidade, a dissolução [do Parlamento] que tivemos, tudo indica que as condições mínimas não existem para que se organizem eleições na Guiné-Bissau neste contexto.
DW África: Mas porque é que acha isso?
ID: Organizar as eleições num ambiente de vazio institucional - quer na Comissão Nacional de Eleições (CNE), quer no Supremo Tribunal de Justiça (STJ) - é a porta aberta para o conflito. Porque todas as eleições, desde 1994, foram contestadas, mesmo havendo uma CNE legítima. O Supremo Tribunal de Justiça foi atacado duas vezes, em 2005 e em 2020, depois das eleições de 2019.
Agora, olhando para um futuro de exacerbação de tensões, organizar eleições que serão contestadas de qualquer forma que seja e não havendo como prevenir possíveis conflitos, é uma porta aberta para a instalação do caos. Todo o mundo está a ver isso.
O que não percebo é porque é que os atores políticos – os partidos representados no Parlamento e o Presidente da República, que são responsáveis por esta situação - continuam a empurrar o país para forçosamente para as eleições. Eu acho que a responsabilidade de qualquer conflito que possa surgir no futuro será deles.
DW África: Então, qual é a solução que o PUN oferece para esta crise?
ID: A Guiné-Bissau depara-se com problemas estruturais que têm a ver com o surgimento da Guiné-Bissau como Estado. A Guiné-Bissau precisa de um Estado de nação profundo, uma reflexão que ultrapassa esta guerrilha, estes ataques inúteis que não dignificam a classe política.
A classe política guineense dominante e dirigente colocou o país, ao longo de 50 anos, há décadas, numa situação insustentável. O mais grave é persistir no mesmo erro. O PUN está farto de dizer tanto no quadro partidário, como no âmbito da sociedade civil e dos Estados gerais que este sistema não pode funcionar. A classe política dirigente tem que chegar a estas conclusões óbvias.
O sistema político guineense gera tensões, gera conflitos e não podemos culpar uma pessoa. Temos um sistema construído em diferentes alicerces num binômio partido-Estado. O partido-Estado significa que são os partidos que comandam o Estado. São elementos dos partidos que estão no aparelho de Estado, como nos tempos de partido-único. Este sistema não pode funcionar hoje em dia, porque colocando o pressuposto de que são elementos do partido que alimentam a organização geral do aparelho de Estado, isso gera absolutamente conflito, com qualquer que seja o ator político [Presidente].
O segundo elemento mais profundo é aquela questão de termos o conceito "político-militar" que surgiu na nascença de Estado da Guiné-Bissau. Isso já não pode funcionar numa democracia. Não é à toa que temos golpes de Estado a repetirem-se, não é à toa que temos os mesmos agentes das Forças de Defesa e Segurança que estão envolvidos permanentemente na subversão [da ordem constitucional] - porque são solicitadas por elementos político para legitimar a agenda política. Isso é incompatível com a democracia.
A corrupção, a presença de dinheiro massivo no sistema político, o dinheiro de proveniência duvidosa - como o da droga - e outros alimentam este sistema, porque são milhões e milhões de dólares que são caçados por partidos políticos.
DW África: Ou seja, é preciso parar de usar fundos do Estado para organizar eleições?
ID: Acho que, desta vez, temos um aliado importante do nosso lado, que é a comunidade Internacional. Eu não estou a ver, sob pena de parecer como um elemento cúmplice para empurrar o país para o caos, a comunidade Internacional a financiar [eleições]. Não vejo como é que um responsável da comunidade internacional, que respeita o dinheiro do seu contribuinte vai utilizar os fundos da comunidade Internacional para financiar mais uma eleição que não é só inútil, como todas outras [já realizadas], mas que vai dar sinais de instalação do caos.