Gâmbia: Um alerta para outros líderes?
24 de janeiro de 2017Nos últimos dias, Reyhana Masters tem recebido constantemente mensagens no telemóvel, vindas do Zimbabué, sobre a situação na Gâmbia. Na rede social Twitter, os zimbabueanos também questionam "como seria, se…" Muitos olham para a Gâmbia com um certo regozijo, depois de Yahya Jammeh ser obrigado a abandonar o país, após 22 anos no poder.
No Zimbabué, Robert Mugabe está na Presidência há três décadas – as próximas eleições estão marcadas para 2018. E a saída de Jammeh da Gâmbia acalentou as esperanças de mudança dos zimbabueanos: "Há muitos cidadãos e organizações da sociedade civil no Zimbabué que agora discutem os acontecimentos na Gâmbia, reavivando o sonho de que, também no seu país, possam ser tomadas medidas em caso de irregularidades eleitorais", afirma Masters, que trabalha como consultora de comunicação.
Situação especial
A Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) assumiu uma postura forte e determinada, tomando medidas concretas para que Jammeh abandonasse o poder. Nas eleições presidenciais de 1 de dezembro, o opositor Adama Barrow conquistou mais 50.000 votos do que Jammeh, mas o ex-Presidente recusou-se a sair poder - até que astropas da CEDEAO entraram no país. Seguiram-se longas conversações, que culminaram com a saída de Jammeh para o exílio. Adama Barrow tem agora o caminho livre para governar.
Será que o que se passou na Gâmbia também poderá acontecer noutros países africanos governados por autocratas ou ditadores?
"Não acredito que muitos líderes tenham ficado amedrontados ao olhar para a Gâmbia", diz Christof Hartmann. O perito em questões africanas da Universidade alemã de Duisburgo-Essen afirma, em entrevista à DW, que o caso da Gâmbia é bastante específico e que, por isso, não serve de exemplo para outros países governados por regimes autoritários.
"Há que olhar detalhadamente para os países em que há intervenções militares: são sempre países pequenos, países sem grande peso diplomático nem grandes exércitos capazes de fazer face a uma invasão", afirma o professor.
Outro enquadramento
"Precisamos da CEDEAO na África Austral", twittou esta semana a advogada zimbabueana Fadzayi Mahere.
Até agora, a Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC, na sigla em inglês), tem andado com "pezinhos de lã" em relação ao Zimbabué, refere Reyhana Masters. Mugabe foi inclusive nomeado presidente da SADC, além de presidente da União Africana. Procedimentos contra o líder zimbabueano são pouco prováveis.
Também a Comunidade da África Oriental (EAC, em inglês), em comparação com a CEDEAO, parece muito mais impotente perante crises políticas como a do Burundi, onde, em abril de 2015, o Presidente Pierre Nkurunziza se candidatou a um terceiro mandato, violando a Constituição.
Mas, nota o professor Hartmann, os enquadramentos das duas organizações regionais são bastante diferentes: enquanto a CEDEAO pode intervir militarmente no caso de uma deriva antidemocrática de um governante, a EAC não está autorizada formalmente a imiscuir-se nos assuntos internos dos seus Estados-membros.
Liga dos ex-opositores
Peter Penar, professor da Universidade norte-americana de Michigan, enumera outro motivo para a ação da CEDEAO na Gâmbia.
Os governantes mais poderosos da África Ocidental – Buhari na Nigéria, Akufo-Addo no Gana, Sall no Senegal, Johnson Sirleaf na Libéria e Ouattara na Costa do Marfim – são todos líderes que estavam na oposição antes de serem eleitos: "A África Ocidental tem agora uma coligação de antigos líderes da oposição. Na África Oriental não é assim." Kagame no Ruanda, Museveni no Uganda e Nkurunziza no Burundi estão há muitos anos no poder, refere Penar: "É difícil ver uma mudança a nível regional se não há uma mudança de governantes."
Hartmann também não acredita em mudanças na África Oriental nos próximos tempos, embora a saída de Jammeh da Gâmbia seja um acontecimento "muito importante" para o continente. "Mostra que a comunidade dos países africanos começou a levar a sério o seu compromisso com a democracia e está pronta a dar passos, por vezes difíceis, para impor esses valores", afirma o professor.