Galp reitera "total afastamento de Isabel dos Santos"
7 de abril de 2022A insegurança na região norte do país impede a Galp de avançar já com os projetos para a produção de gás, nomeadamente nas áreas do Coral Sul. O local está definido (onshore) mas, questionado pela DW, o presidente do conselho de administração da empresa portuguesa, Andy Brown, expressou ainda hesitação quanto ao projeto.
"Acho que essa é a parte mais importante: restabelecer a segurança e voltar ao trabalho depois disso. O mais cedo que eu consigo prever para uma decisão final para investimentos da Galp em terra será em 2024, para o projeto na área 4 - dentro de dois anos porque temos de fazer o projeto de design (arquitetura) e depois a parte dos contratos", justificou.
Brown falava à imprensa estrangeira acreditada em Lisboa, esta quinta-feira (07.04), no dia em que a Galp, parceira de um consórcio de gás liderado pela Exxon Mobil, anunciou que espera construir fábricas terrestres em Moçambique em 2024.
Investir nas comunidades
O projeto está, entretanto, condicionado às garantias de segurança local devido à ação de grupos terroristas na região de Cabo Delgado, no extremo norte daquele país da África Austral.
Andy Brown admite que "a situação é grave" no terreno, mas reconhece o esforço do Governo de Moçambique com vista a criar condições de segurança para viabilizar a exploração dos recursos naturais existentes.
"Muitas pessoas perderam a vida. O número de refugiados foi devastador. Por isso, considero que a segurança tem de ser garantida. Acho que há bons indicadores, mas penso que vai levar algum tempo. Precisamos investir nas comunidades".
Segundo o responsável, a Fundação Galp está a fornecer apoio e ajuda às populações. "Primeiro, é preciso construir uma comunidade estável e dinâmica, isso é bastante importante, e só depois se deve começar a levar dezenas de milhares de pessoas para construir as fábricas", sublinha.
"À distância" de Isabel dos Santos
A Galp, que já opera em Angola na exploração de petróleo, mantém a "joint-venture" com a Sonangol, que tem uma participação acionista na Amorim Energia. Brown reafirmou à DW que a empresa portuguesa tem uma boa relação com a petrolífera estatal angolana.
"Produzimos petróleo em Angola, temos uma joint-venture no retalho com a Sonangol. Eles realmente participam na Amorim Energia, mas isso é controlado através da família Amorim e as nossas interações são com a família Amorim, não com a Sonangol. Por isso, a nossa relação com a Sonangol é muito mais uma relação de negócios em torno do que fazemos em Angola."
Entretanto, o administrador garantiu que a Galp está totalmente desligada das empresas acionistas da empresária angolana Isabel dos Santos, depois de uma sentença nesse sentido do Tribunal Arbitral holandês.
"Sim. A sua participação foi removida, uma participação acionista que era bastante afastada da executiva da Galp. Agora, de acordo com a decisão tomada no ano passado, foram retirados os direitos na participação a Isabel dos Santos. Sempre a mantivemos à distância, mas agora parece que temos um total afastamento de Isabel dos Santos", sublinha.
Hipótese de voltar à Galp?
Já Rui Verde, investigador do Centro de Análise de Assuntos Políticos e Económicos de Angola (CEDESA), não crê que a Galp se tenha totalmente libertado da filha do ex-Presidente angolano, José Eduardo dos Santos.
O jurista lembra que, há mais de meio ano, o Tribunal Arbitral holandês decidiu entregar à Sonangol a totalidade da participação acionista indireta da empresária angolana e, "no dia seguinte, Isabel dos Santos anunciou que iria recorrer dessa decisão".
"Em primeiro lugar, o que eu não sei - não encontrei informação suficiente e adequada - é se houve recurso; em segundo lugar, não sei se há qualquer decisão", acrescenta.
Rui Verde considera que, se houve recurso, existe ainda no ar "uma possibilidade de Isabel dos Santos 'voltar' à Galp".
Parcerias estratégicas
Por outro lado, o investigador do CEDESA entende que a petrolífera angolana Sonangol deve reavaliar a relação que tem com a Galp, uma vez que a parceira portuguesa vai deixar de estar virada apenas para o setor do petróleo e passar a focar-se no setor das energias alternativas.
O analista refere que a Sonangol assinou protocolos com a ENI italiana, com a Total francesa e com empresas alemãs, e "não há conhecimento" de qualquer relação estratégica da petrolífera com a Galp virada para as energias alternativas.
"A Sonangol parece estar na Galp apenas para receber dividendos, quando teria todo o interesse em ter uma parceria estratégica com a Galp sobre as energias alternativas. Portanto, a questão que se coloca é porque é que não tem?", questiona Verde.
Se a Sonangol não tem essa estratégia no horizonte, Rui Verde é de opinião que a petrolífera angolana devia vender a posição que detém na Galp.
Será que a crise energética constitui um motivo forte para levar a Galp a rever a sua estratégia e apostar mais no mercado lusófono, nomeadamente em Angola, Moçambique, Brasil e em São Tomé e Príncipe?
Rui Verde admite essa possibilidade e indica que tem que haver um equilíbrio entre as energias renováveis e a busca de petróleo, pelo menos numa fase de transição prolongada. O analista acredita que a Galp terá de rever esse posicionamento.