George Floyd: Países africanos condenam racismo nos EUA
5 de junho de 2020"Não é possível que, no século XXI, os Estados Unidos, esse grande bastião da democracia, continuem a bater-se com o problema do racismo sistémico". As palavras são do Presidente do Gana, Nana Akufo Addo, um dos líderes africanos que nos últimos dias condenaram a morte de George Floyd nos EUA, às mãos da polícia. O chefe de Estado ganês sublinha que negros em todo o mundo estão em choque com os últimos acontecimentos no país.
"É uma coisa má que está a acontecer e tem de ser discutida. É preciso sentar a acabar com isto", diz a ganesa Ama Barnieh à DW. No Gana, tal como em muitos outros países africanos, está em vigor um recolher obrigatório para fazer frente à propagação do novo coronavírus, o que torna ilegal a realização de manifestações, ainda que pacíficas. Foi por essa razão que a polícia ganesa não permitiu a realização de um protesto contra o raciscmo, o que deixou o ativista Ernesto Yeboah revoltado: "Muitos líderes africanos não se pronunciam sobre o assunto porque não querem ofender os seus patrões brancos", afirma. "Mas, quer agrade ou não aos seus mestres, nós, os povos de África, nunca mais deixaremos que as pessoas negras sejam desrespeitadas".
Também a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), que integra a Guiné-Bissau e Cabo Verde, condenou na quinta-feira (04.06) a morte do afro-americano às mãos da polícia, afirmando que a democracia vencerá o "infeliz fenómeno" do racismo. Numa declaração publicada no Facebook, a Comissão diz apoiar "a desaprovação desta evolução, expressa pelo Presidente da Comissão da União Africana ao invocar a resolução histórica contra a discriminação racial nos Estados Unidos, adotada pelos Chefes de Estado e de Governo da Organização da unidade africana, em 1964".
Protestos em África
Na África do Sul, o partido no poder anunciou que está a lançar a campanha "Sexta-feira Negra" em resposta ao "assassínio hediondo" de George Floyd e ao "racismo institucionalizado" nos Estados Unidos, em casa, na China ou onde se manifeste. Segundo uma declaração do Congresso Nacional Africano (ANC), o Presidente Cyril Ramaphosa vai oficializar esta noite o lançamento da campanha que apela a que as pessoas usem o preto às sextas-feiras, em solidariedade. A campanha pretende também chamar a atenção para as "mortes de cidadãos às mãos das forças de segurança" na África do Sul, que continua a ser um dos países mais desiguais do mundo, um quarto de século após o fim do sistema racista do apartheid.
No Quénia, o líder da oposição e antigo primeiro-ministro Raila Odinga ofereceu-se para rezar pelos Estados Unifos para "que haja justiça e liberdade para todos os seres humanos que chamam à América o seu país". Mas tal como outras figuras do continente que se pronunciaram sobre os acontecimentos nos EUA, também Odinga destacou os problemas "em casa": julgar as pessoas pelo carácter e não pela cor de pele "é um sonho que nós, em África, também devemos aos nossos cidadãos".
Dias após a morte de George Floyd, um cidadão natural da Gâmbia foi morto a tiro pela polícia em Atlanta, também nos Estados Unidos. Por isso, vários ativistas de direitos humanos marcaram para a próxima semana uma manifestação junto à embaixada dos Estados Unidos, em Banjul. Os manifestantes irão, em silêncio, ajoelhar-se junto ao edíficio numa homenagem às duas vítimas. "Vou participar neste protesto em solidariedade com a luta pela libertação e liberdade dos negros na América", disse o ativista dos direitos humanos Alieu Bah.
Também em Kampala, capital do Uganda, vários cidadãos disseram à DW concordar com os protestos por considerarem que já é tempo de por um fim à discriminação de que as pessoas negras continuam a ser vítimas. No entanto, um ugandês chama a atenção para a violência das manifestações: "Creio que os protestos são justificados, mas há demasiada violência. Embora ache que devam continuar, acho também que a violência deve acabar porque, caso contrário, continuaremos a assistir à morte de muitas pessoas".
A cultura manifesta-se
Para além de ativistas e chefes de Estado, também os artistas quiseram dar voz à luta contra o racismo. Numa carta aberta publicada esta semana, uma centena de escritores africanos, incluindo José Eduardo Agualusa, Ondjaki e Pepetela, condenaram "os atos de violência contra pessoas negras nos Estados Unidos” e afirmaram apoiar os protestos naquele país "e em todo o mundo".
Além de George Floyd, os escritores nomeiam mais de 70 cidadãos negros que morreram nos Estados Unidos, em "atos de violência" devido à cor da pele, e cujas mortes foram noticiadas. "E tantos outros nomes, conhecidos e desconhecidos, que representam seres humanos semelhantes a nós. Nosso sangue", acrescentam.
Na carta, intitulada "Autores Africanos Sem Fronteiras solidários com os cidadãos afro-americanos", aqui lida em português por Kalaf Epalanga, os escritores pedem também "que os governos africanos reconheçam a aliança e ligações com irmãos e irmãs além-fronteiras, dos Estados Unidos da América ao Brasil e por toda a diáspora" e que "seja oferecido a quem o escolher: refúgio, lares e cidadania em nome do pan-africanismo".
Felista, um músico ugandês de apenas oito anos, compôs um pequeno rap ao qual deu o nome: "não consigo respirar". E em entrevista à DW, deixou um apelo: "Quero dizer às pessoas para pararem com o racismo porque o racismo é demasiado mau. Somos todos pessoas iguais à imagem de Deus".