Maputo condena apoio internacional à descentralização
6 de setembro de 2016A descentralização é um dos cavalos de batalha nas negociações de paz entre a RENAMO e o Governo da FRELIMO. A sua componente mais visível, e que está na origem da atual crise política, prende-se com a governação das províncias. O maior partido da oposição exige governar nos lugares onde reivindica vitória nas últimas eleições, em 2014. No entanto, a descentralização passa também por outros setores, incluindo a gestão dos municípios, onde o poder central é ainda muito grande.
Manuel de Araújo, do Movimento Democrático de Moçambique (MDM), edil da cidade de Quelimane, afirma que um dos principais problemas se prende “com a presente lei fiscal”.
“Todas as empresas do grupo A, as maiores empresas que temos em Moçambique, e, por sinal, as que mais contribuem para os cofres do Estado, são obrigadas a pagar as suas contribuições fiscais não no lugar onde exercem as suas atividades, mas em Maputo”, exemplifica Manuel de Araújo, frisando que a questão “afeta bastante a arrecadação de recursos”.
O município da Beira, também nas mãos do MDM, vive problemas semelhantes. O edil e também presidente da segunda maior força da oposição em Moçambique, Daviz Simango, relata dificuldades e recuos do município devido à legislação.
"A lei moçambicana prevê, através do seu decreto 33, de 30 de agosto de 2006, a transferência da educação primária para os municípios. Há um outro decreto que prevê a transferência dos transportes públicos urbanos para os municípios”, lembra Simango, concluindo que “o Governo central ainda detém este poder e, como resultado, as comunidades locais têm problemas sérios de educação, saúde e de transporte".
Estas dificuldades podem contribuir para minar a gestão e a imagem dos partidos da oposição. E as consequências de uma má gestão podem culminar em maus resultados em corridas eleitorais.
Problemas não são exclusivos da oposição
As dificuldades na drenagem dos fundos por parte do Governo central da FRELIMO não afetam apenas a oposição, como explica à DW África o especialista em direito internacional e vice-ministro da Defesa Patrício José.
"O atraso nos desembolsos não é exclusivo para os municípios geridos pelo MDM. Mesmo ao nível central há atrasos no pagamento das mais diversas despesas”. O problema, diz Patrício José, chega mesmo a afetar o município de Maputo, onde “tem havido atrasos nos desembolsos em função da tesouraria”.
O vice-ministro da Defesa garante ainda que “o Governo tem vindo a negociar os mais variados projetos que vão beneficiar vários municípios. E tem chegado lá."
Casos de sucesso com ajuda internacional
Os municípios geridos pelo MDM têm tido os melhores desempenhos do país, com destaque para as boas práticas ambientais e a gestão de infra-estruturas. Este ano, a cidade da Beira recebeu o Prémio de Prata pelo reforço e desenvolvimento de Infra-estruturas da Professional Management Review-Africa, uma revista publicada na África Austral.
Os casos de sucesso devem-se também à ajuda de instituições internacionais que dão apoio direto aos cofres dos municípios. Por exemplo, o banco do Governo alemão para o Desenvolvimento, KFW, deu recentemente 11 milhões de euros para a execução das atividades do município da Beira.
Se o Governo central pretender boicotar a oposição, dificultando a atribuição de fundos aos seus municípios, os organismos internacionais podem tirá-los do “sufoco”. Daviz Simango frisa, no entanto, que não se trata “de salvar ou não a oposição”. O problema, segundo o edil da Beira, é a garantia de transparência por parte das instituições.
“Ao fazerem o investimento direto, essas instituições estão a assegurar a transparência. Neste país, temos problemas sérios de corrupção e de dívidas não autorizadas”, sublinha Simango.
"Não se pode colocar em causa a soberania de um Estado”
O especialista em direito internacional e vice-ministro da Defesa Patrício José considera que o apoio direco estrangeiro ao orçamento municipal choca com as boas práticas diplomáticas.
"Todo o apoio para um Estado como o nosso é bem-vindo. O que coloco em questão são as modalidades que se impõem”, ressalva o dirigente, considerando que “não é correto, do ponto de vista diplomático, contornar o Governo central e ir trabalhar diretamente com o município”.
“O beneficiário final [do apoio] pode ser o município da Beira ou qualquer outro município. Não vejo isso como um problema. O problema é, do ponto de vista diplomático, contornar as estruturas centrais, com competências diplomáticas, e ir ao destinatário”, explica Patrício José. E acrescenta: “O município não tem soberania, tem um conjunto de competências administrativas, de gestão, de coleta de receitas, mas está numa plataforma de soberania de um Estado. Não se pode colocar em causa a soberania de um Estado”.