Guerra de 7 junho deixou Guiné-Bissau frustrada
7 de junho de 2019Foi há precisamente 21 anos que os militares leais ao brigadeiro Assumane Mané pegaram em armas para depor o então Presidente da Guiné-Bissau, João Bernardo "Nino" Vieira. Na madrugada de 7 de junho de 1998, os guineenses acordaram ao som de tiros na capital do país, quando a Junta Militar abriu fogo contra a caravana do Presidente, que se dirigia ao Aeroporto de Bissau, junto ao "poilão de Brá", árvore de grande porte e com muito simbolismo na avenida principal.
Iniciava-se, assim, a sangrenta guerra civil que viria a durar 11 meses e que culminou com o afastamento de Nino Vieira, que estava no poder há quase 20 anos. Cláudia Veigas tinha 13 anos quando rebentou a guerra civil. A advogada diz que o conflito veio chamar a atenção das autoridades para justiça social.
"Vinte e um anos após a guerra de 7 de junho, há mais a lamentar do que a festejar, mas que deve servir como um alerta para a necessidade e importância de dar maior atenção ao setor da justiça. Principalmente já que se percebeu que é o caminho para a resolução de grandes questões e conflitos que travam o desenvolvimento do país", sublinha.
Zamora Induta frustrado
O antigo chefe do Estado Maior General das Forças Armadas da Guiné-Bissau, Zamora Induta, que foi porta-voz da Junta Militar, disse à DW África que, apesar da data do início do conflito político-militar continuar bem presente na sua memória, é com frustração que vê o rumo que o país tomou após o golpe de Estado.
Zamora Induta responsabiliza os sucessivos governos que assumiram a liderança do país pela instabilidade que se vive na Guiné Bissau desde a guerra civil. "Agora vejo a situação com alguma frustração porque os desejos e os motivos que estiveram por detrás desse levantamento militar viram-se depois falhados", diz.
Induta lembra que houve uma "tentativa de responsabilização da Junta Militar pela situação em que se encontra o país", algo de que discorda completamente, "não por ter feito parte, mas porque se esquecem que a Junta apenas criou condições para que ainda hoje possa haver eleições livres e democráticas."
"Como os políticos não conseguiram dar respostas às grandes questões do país, agora toda a areia é atirada para a Junta", explica o capitão-de-mar-e-guerra, nomeado chefe das Forças Armadas em 2009, pelo Presidente interino Raimundo Pereira.
Ainda segundo Zamora Induta, os problemas internos dentro do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), as questões sociais e fundamentalmente um mal-estar que havia nos quartéis estiveram na base da guerra civil, conhecida também por 7 de junho.
"Mesmo dentro dos quartéis também havia problemas, não podemos escamotear a verdade. E foram fundamentais para a revolta dos militares, apesar de o golpe de Estado ser explorado do ponto de vista político. As pessoas podem até não se ver, que as primeiras leis das Forças Armadas, refiro-me ao Estatuto dos Militares e à Lei da Defesa Nacional, todos esses instrumentos não existiam. A pergunta é como é que se pode dirigir um punhado de homens armados sem qualquer tipo de legislação?", questiona o militar formado numa academia militar na Rússia.
Problemas nas tropas continuam
Afastado dos círculos militares desde o golpe de Estado de abril de 2012, Induta refere que ainda algumas más práticas continuam nas Forças Armadas, como, por exemplo, "as promoções que são feitas, em que se marca uma data e todos são promovidos, coisa que não acontece em nenhuma parte de mundo, que não é correto e que gera mal-estar" entre as tropas.
Zamora Induta afirma que não havia outra forma de resolver aqueles problemas não fosse através do recurso a armas. "Logo a seguir ao levantamento, a Junta Militar disponibilizou-se de imediato a negociar, o que na altura foi mal interpretado. Aliás, foi rejeitado liminarmente. As condições que foram postas é que a Junta Militar iria à mesa das negociações mas só se deixasse as armas, coisa que seria de malucos. Ninguém queria depor as armas para ir a negociações, sabendo que iria acontecer a seguir", declarou à DW África o ex-membro da Junta Militar do brigadeiro Ansumane Mané, que derrubou Nino Vieira em 1999 e chefiou o comité militar criado para gerir a crise no país após o duplo assassinato do Presidente e do chefe do Estado-Maior das Forças Armadas em 2009.
Apesar da legislação em vigor nas Forças Armadas da Guiné-Bissau, Induta argumenta que há muitas leis que não estão a ser cumpridas, aludindo ao facto de ter sido afastado das fileiras militares em situação ainda por clarificar. Sobre a Guiné-Bissau de hoje, Zamora Induta não vislumbra nenhum caminho que possa tirar o país da profunda instabilidade governativa.
Guiné-Bissau está de rastos
A ativista guineense Nelvina Barreto não tem dúvidas que a guerra deixou a Guiné-Bissau de rastos, com uma administração praticamente inexistente, uma população sem motivação sem expetativas para acreditar no futuro e uma juventude a quem apenas resta a emigração.
"Um país que estava a dar os primeiros passos depois daquele período de ajustamento estrutural imposto pelas instituições de Bretton Woods, estava a tentar integrar-se na zona de moeda única FCFA, havia alguma dinâmica em termos económicos com investimentos estrangeiros importantes, a nível interno também havia muita dinâmica empresarial e social. Foi nesse período que começaram a surgir movimentos da sociedade civil, e toda essa dinâmica foi quebrada. A Guiné-Bissau não saiu só com as infraestruturas destruídas. Saiu principalmente ferida na sua alma. A unidade nacional que vinha desde os tempos da guerra de libertação nacional contra o colonialismo português foi duramente abalada com a guerra civil", sublinha.
É nessa altura, que segundo Nelvina Barreto, que as estruturas do Estado de direito democrático que estavam a pôr-se de pé, embora timidamente, acabaram por ser completamente arrasadas. "Tudo isto aliado a uma cegueira, a um autismo completo da classe política que insiste em digladiar-se entre si e não olhar para sua responsabilidade para organizar a vida pública dos guineenses", lamenta.