Cabo Delgado: O risco sistémico da guerra em Moçambique
16 de abril de 2021A guerra em Cabo Delgado, no norte de Moçambique, resulta de um "erro histórico" que a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) "não consegue remediar" desde a independência nacional, considera o filósofo Severino Ngoenha.
Segundo o reitor da Universidade Técnica de Moçambique, trata-se de problemas étnicos e discrepâncias sociais que a FRELIMO não foi capaz de corrigir desde que assumiu o poder, em 1975. O professor destaca que estas questões continuam abertas, mesmo com o partido tendo pessoas de origens étnicas diversas a governar o país.
O Islão é igualmente apontado como o suporte da insurgência, apesar de não ter constituído um problema social forte ao regime colonial. Apesar da relevância histórica para a independência, as comunidades muçulmanas terão sido marginalizadas pelo Governo socialista da FRELIMO. Isso, entretanto, nunca constituiu um problema social forte, diz Severino Ngoenha.
Radicalização do Islão
O académico acredita que o país deixou o Islão se radicalizar em nome de uma neutralidade e um laicismo questionáveis e hoje isto gerou um problema social grave.
"Nos últimos anos há provas de como o novo tipo de Islão, mais radical, que nem respeitava o Islão tradicional presente no território e no espaço, foi gradualmente emergindo no espaço moçambicano. E nós, como país e como Estado, fomos admitindo, em nome da neutralidade e de um laicismo discutível, que se apresentasse até chegar ao processo de radicalização", sublinhou.
O académico considera ainda o facto de existir pobreza extrema em diferentes zonas do país e menos pobreza no sul como outro fator que coloca Moçambique em guerra.
Para Severino Ngoenha, trata-se de uma anomalia nacional que a política deveria encontrar maneiras de atenuar. "Não há razão para não transferirmos algumas sedes de poder para fora de Maputo. Não há nenhuma razão para que o Governo, os ministérios, a Presidência, o Parlamento, todos os símbolos do poder, sejam confinados no espaço em Maputo", diz.
As questões socioculturais do conflito
O historiador francês Michel Cahen, da Universidade Eduardo Mondlane, refere que a guerra em Moçambique é facilitada pelo facto de os insurgentes encontrarem jovens desesperados que aceitam filiar-se à sua causa.
"Essa seita 'Al-Shabab' de Cabo Delgado está a oferecer um projeto de vida aos jovens que não têm nenhuma esperança de melhorar socialmente. Aí, voltamos às questões socioculturais e económicas do conflito", salienta.
O conflito em Cabo Delgado começou em 2017. A ONU estima que a instabilidade na região causou já mais de duas mil mortes e fez perto de 700 mil deslocados.