Guiné-Bissau: 146 comunidades deixarão de mutilar mulheres
29 de dezembro de 2016A lei guineense criminaliza a Mutilação Genital Feminina (MGF) desde junho de 2011. Mas a prática persiste, segundo defensores dos direitos humanos. E há quem insista em revogar a legislação.
Na vila de Quebo, por exemplo, o líder religioso Rachide Djaló anunciou publicamente que lideraria uma campanha de recolha de assinaturas pedindo que o Parlamento anulasse a lei de proibição da MGF, por considerá-la "uma determinação islâmica", noticiou a agência de notícias Lusa, no início de dezembro.
Cerca de 50% das mulheres e raparigas da Guiné-Bissau foram submetidas à excisão, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Por tudo isto, é importante que 146 comunidades tenham anunciado agora que vão abandonar a MGF, diz a presidente do Comité para o Abandono das Práticas Tradicionais Nefastas à Saúde da Mulher e da Criança da Guiné-Bissau, Fatumata Djau Baldé.
Em entrevista exclusiva à DW África, a ex-ministra dos Negócios Estrangeiros sublinha que o sucesso nestas comunidades resulta dos trabalhos junto da população rural para uma "mudança de mentalidade". E também do esclarecimento de que, para se seguir a religião islâmica, não é preciso pôr a saúde da mulher em risco.
DW África: A previsão, no início de dezembro, era a de que, até o final de 2016, pelo menos cem aldeias do interior da Guiné-Bissau abandonariam a prática da MGF. Qual é a situação atual?
Fatumata Djau Baldé (FDB): Neste momento, ultrapassámos as expetativas: Ao invés de cem comunidades, até aqui, 146 comunidades declararam o abandono da prática da mutilação genital feminina.
DW África: Onde estão localizadas estas comunidades?
FDB: Por todo o país. Por exemplo, na região na Tombali, 15 comunidades declararam o abandono da prática. Em Quinara, foram 20; em Gabu, 37; em Bafatá, 45 e em Oio, 29 comunidades.
DW África: Na vila de Quebo, local particularmente conhecido pela atuação islâmica, a expetativa de abandono da prática da MGF tem algum simbolismo especial?
FDB: Concretamente, na região de Quebo, o anúncio é feito pela primeira vez.
DW África: Quais foram as reações contrárias?
FDB: Houve uma petição assinada por alguns [líderes religiosos], dizendo que a prática era recomendação do Corão e que, por isso, a lei que criminaliza a MGF na Guiné-Bissau deveria ser revogada. Mas esse pedido, pelo que se vê, não teve efeito.
DW África: Uma vez anunciado o abandono da prática, há risco de que se continue a MGF?
FDB: Até aqui, entre as comunidades que declararam o abandono, houve um caso. Foi na região leste do setor de Bafatá, onde descobrimos que, depois [de declarado abondono da MGF], houve um ritual. O caso foi denunciado e as pessoas em causa foram conduzidas à Justiça e julgadas.
DW África: Como garantir, então, que a prática da MGF seja abandonada?
FDB: É necessário o acompanhamento, ainda que as comunidades declarem o abandono da prática.
DW África: O que diz, de facto, o Corão sobre a MGF? Poderia mencionar algum trecho ou passagem que explique esta crença?
FDB: Não existe no Corão nenhuma passagem que diga que a prática da MGF seja uma recomendação obrigatória. O livro sagrado menciona que, quando o profeta Maomé estava a passar por Meca, encontrou uma senhora que realizava esta prática e, ao perguntar-lhe o que estava a fazer, a mesma respondeu que era uma fanateca, que fazia a MGF. O profeta, então, teria dito: "Se vais fazer isso que levante o braço". E isso significava cortar a menina superficialmente para não criar maiores danos. Mas o profeta não disse que era obrigatório - aliás, em nenhum momento o Corão diz que a prática da MGF é uma recomendação islâmica e que a mulher deva ser submetida à prática.