Guiné-Bissau: Acordo de incidência parlamentar é "ilegal"
15 de maio de 2020Os três partidos que suportam o Governo de iniciativa presidencial liderado pelo primeiro-ministro guineense, Nuno Gomes Nabiam, assinaram nesta sexta-feira (15.05) um acordo de incidência parlamentar e logo de seguida o documento foi depositado no Supremo Tribunal da Justiça da Guiné-Bissau.
O acordo foi assinado pelo Movimento para a Alternância Democrática (MADEM-G15), segundo partido mais votado nas legislativas de 2019, Partido da Renovação Social (PRS) e a Assembleia do Povo Unido-Partido Democrático da Guiné-Bissau (APU-PDGB). As formações partidárias pretendem provar ao Presidente da Guiné-Bissau, Umaro Sissoco Embaló, que há uma nova maioria parlamentar capaz de suportar, na Assembleia Nacional Popular (ANP), o atual Executivo de Nuno Nabiam, líder da APU-PDGB.
"Estes três partidos, a partir de agora, têm uma nova maioria no Parlamento. E é isso que vamos depositar no Supremo Tribunal de Justiça, dar conhecimento ao senhor Presidente da República e à ANP. Espero que haja e prevaleça o bom senso, para que, realmente, possamos rumar à estabilidade governativa de uma vez para sempre, na nossa querida pátria amada”, disse Jorge Mandinga, um alto dirigente da APU-PDGB.
A Comunidade Económica de Estados da África Ocidental (CEDEAO), que tem mediado a crise política na Guiné-Bissau, recomenda a formação de um novo Governo até 22 de maio com base na Constituição e nos resultados das legislativas de março de 2019.
APU-PDGB elegeu nas eleições legislativas de março de 2019 cinco deputados, mas atualmente não conta com quatro dos seus parlamentares, que ainda se dizem fiéis ao Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), com quem tinham assinado acordo de incidência parlamentar. O acordo resultou na formação do Governo de Aristides Gomes, entretanto demitido por Sissoco.
"Carroça à frente dos bois”
Em declarações à DW África, o jurista Mariano Pina considera ilegal o acordo assinado nesta sexta-feira entre MADEM G-15, PRS e APU-PDGB.
"Isso é pôr a carroça à frente dos bois. Não se forma o Governo para depois fazer acordos. O acordo de incidência parlamentar é prévio à formação do Governo. Em primeiro lugar, o Presidente da República tem que chamar quem ganhou as eleições, e só se o partido que ganhou eleições não conseguir formar o Governo que daí pode haver outro acordo de incidência parlamentar de outros partidos, é assim que se faz e é a nossa lei. Se há um partido que ganhou as eleições, o Presidente não pode saltar esse partido e ir convidar um conjunto de partidos que assinou acordo, se não, não vale a pena a democracia, não vale a pena o Estado de direito e nem as eleições”, disse Mariano Pina.
Numa altura em que há críticas ao Presidente da República por causa da sua iniciativa unilateral de proceder à revisão constitucional, o professor universitário Paulo Vasco Salvador Correia, está convicto de que Umaro Sissoco Embaló vai "fazer ouvidos de mercador" à CEDEAO.
"Se nós analisarmos a postura que ele, nos últimos tempos, tem demonstrado, claramente, fica-se com a sensação de que ele não vai cumprir aquelas recomendações da CEDEAO. Nós vimos que, em termos de postura, o Presidente da República, praticamente, entrou numa clara demonstração de força, colocando, claramente, de lado a nossa Constituição. E, realmente, esses elementos todos juntos demonstram de que ele não está minimamente preocupado com o cumprimento das demandas da CEDEAO”.
Basílio Sanca recuou
Entretanto, o bastonário da Ordem de Advogados da Guiné-Bissau, Basílio Sanca, demitiu-se da comissão criada pelo Presidente Umaro Sissoco Embaló, para rever a Constituição da República.
"Com elevada consideração a sua excelência, senhor Presidente da República, no seguimento dos motivos invocados na minha carta datada de 12 de maio, venho perante sua excelência […] mui respeitosamente pedir a minha demissão" de membro da comissão técnica de revisão da Constituição, escreveu Basílio Sanca.
A comissão técnica de revisão constitucional proposta por Umaro Sissoco Embaló tomou posse na quinta-feira (14.05) e tem 90 dias para apresentar ao chefe de Estado guineense uma proposta do novo texto que o próprio vai remeter aos deputados ao Parlamento para apreciação e aprovação.
A criação da comissão técnica de revisão da Constituiçã está a suscitar polemica no país, nomeadamente entre a classe política e jurídica que acusa Umaro Sissoco Embaló de usurpação de competências que são exclusivas aos deputados.