Guiné-Bissau: Saída da ECOMIB gera alívio e desconforto
2 de setembro de 2020Ao fim de oito anos na Guiné-Bissau, a força de interposição dos Estados da África Ocidental (ECOMIB) deixa o país como o encontrou: em meio a uma crise política - talvez menos grave em relação a de 2012, quando a força militar da Comunidade Económica dos Estados de África Ocidental (CEDEAO) chegou ao país, semanas depois de um golpe de Estado.
A força veio com o objetivo de proteger as instituições públicas e os seus titulares, para a garantia da estabilidade do país.
Durante a sua permanência no solo guineense, a força militar viu-se entre elogios e críticas sobre a sua eficácia. O analista político Mariano Pina é um dos que dá nota positiva a ECOMIB.
"Eu penso que esta força, realmente, teve um papel muito importante e dissuasor na Guiné-Bissau, durante esses oito anos. Teve um papel muito importante durante o processo eleitoral de 2014, que foi um processo que se não tivéssemos a ECOMIB, seria um processo igual ou pior do que o processo que tivemos em dezembro do ano passado", considera.
E Pina acrescenta que "depois, essa força teve um papel muito importante na questão de salvaguarda das instituições da República e dos seus representantes".
Perspetivas sem a ECOMIB
A retirada de contingente da CEDEAO pode abrir portas a três cenários possíveis na Guiné-Bissau, prevê o presidente do Movimento dos Cidadãos Conscientes e Inconformados, Sana Canté.
"O primeiro é a consolidação do poder absoluto do atual regime golpista, liderado por Umaro Sissoco Embaló. O segundo cenário terá a ver com a eventualidade do levantamento de uma força da restauração da ordem constitucional, contra o golpe e contra os atuais líderes do regime. Outro cenário é a incitação da eventual condenação do tribunal da CEDEAO, em pôr em causa a legitimidade de Umaro Sissoco Embaló, que foi reconhecido pela própria CEDEAO", enumera Canté.
Passividade e impopularidade
Vários observadores acusam a ECOMIB de passividade, quando podia ter agido em várias situações em que personalidades políticas e instituições estatais foram alvo de ataques e ocupação ilegais por agentes do Estado, como aconteceu depois da posse de Umaro Sissoco Embaló. Contudo Mariano Pina isenta a força militar da culpa.
"No último ano, o que a sociedade guineense observou não é aquela força da ECOMIB que esteve aqui a exercer um papel importante. Transformou-se numa força passiva e que não convenceu a opinião pública com a sua atuação. Mas isso tem a ver com quem manda na força. Como sabemos, a força da ECOMIB está aqui sob ordem de um comando, dos presidentes da CEDEAO", avalia o analista político.
Por outro lado, para os que valiam negativamente a ECOMIB, estas forças não vão deixar saudades. Guineenses ouvidos pela DW África nas ruas de Bissau afirmam:
"Que regressem, é isso que queremos. Que se vão e nos deixem trabalhar, nós guineenses, para resolvermos os nossos problemas", disse um cidadão guineense.
Outro cidadão considera entende que "é muito normal eles irem embora, porque a sua missão acabou. É assim que nós [guineenses] também podemos ir para aquela zona [outros países] para a manutenção da paz e a nossa missão pode terminar e nos mandarem regressar. Podem partir, porque graças a Deus não há nenhum problema no país".
"A ECOMIB não funcionou aqui, porque não fizeram um trabalho eficaz. Há corrupção no nosso país e forças militares a invadirem espaços e não há proteção para ninguém. Do meu ponto de vista, não há necessidade de a ECOMIB ficar aqui", criticou este guineense.
Inversão de papeis
Com a retirada dos militares da CEDEAO, o chefe de Estado Maior das Forças Armadas garantiu, esta terça-feira (01.09), num encontro com os oficiais militares guineenses, que vai trabalhar para a pacificação e estabilização da Guiné-Bissau.
Mas o jornalista António Pedro da Goia, que trabalhou vários anos no domínio da prevenção de conflito, não acredita que essa promessa seja cumprida.
"Os nossos militares dizem que vão garantir a paz, mas penso que eles não têm condições de garantir a paz. Precisa-se de umas forças armadas republicanas que se submetem à classe política. Mas na Guiné-Bissau, o que acontece são as forças armadas a comandar os políticos e isso não é democracia", pontua.
Retirada gradual do contingente
A cerimónia oficial de homenagem e despedida da ECOMIB, que estava prevista para esta quarta-feira (02.09), foi adiada para uma data a indicar. Mas na semana passada, 130 homens do exército togolês, pertencentes a essa força, deixaram a Guiné-Bissau, um ato que assinalou o início de um processo gradual de retirada dos militares da África Ocidental do país.
O contingente da ECOMIB foi constituído por cerca de 700 soldados e polícias do Burkina Faso, Nigéria, Senegal e Togo e mais tarde reforçado por peritos em defesa da Costa do Marfim.
Fontes militares disseram ser "impossível de momento" precisar a data em que o resto do contingente irá sair do território guineense, devido ao encerramento de fronteiras de alguns países africanos por causa da crise provocada pela Covid-19 e de escassez de voos.
O Presidente da Guiné-Bissau, Umaro Sissoco Embaló, deu por finda a missão em março passado.