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Guiné-Bissau: 3 coisas a saber sobre a queda do Parlamento

16 de maio de 2022

O Presidente guineense já ameaçara várias vezes, agora fê-lo mesmo. Umaro Sissoco Embaló dissolveu o Parlamento citando "divergências persistentes" e "inultrapassáveis". É a história de uma dissolução anunciada.

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Presidente da Guiné-Bissau, Umaro Sissoco Embaló
Foto: Presidency of Guinea-Bissau

Foi na passada sexta-feira – sexta-feira, 13 – que o presidente do Parlamento, Cipriano Cassamá, anunciou a intenção do Presidente da República dissolver a Assembleia Nacional Popular (ANP) e convocar eleições antecipadas.

"Saí de uma audiência com o Presidente da República. Informou-me que vai dissolver o Parlamento", anunciou Cassamá.

Nem todos quiseram acreditar.

É "chantagem", comentou o jurista Fodé Mané em declarações à DW África na semana passada, até porque não haveria motivos suficientes para justificar a dissolução da ANP - "Não acho que a decisão avance. Porque, em termos políticos e jurídicos, não há sustentação para essa intenção de dissolução – já para não falar das condições [institucionais em que isso deve acontecer]".

A gravidade do assunto levou, no entanto, Domingos Simões Pereira, o líder do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) – que estava de costas voltadas com o chefe de Estado desde as eleições de 2019 – a deslocar-se ao Palácio Presidencial.

Em comunicado, o Presidente Umaro Sissoco Embaló diz que a dissolução da ANP era inevitável face a, entre outros pontos, "divergências persistentes" e "inultrapassáveis entre a Assembleia Nacional Popular e outros órgãos de soberania". Quererá isto dizer "divergências" entre a ANP e o Presidente?

Guinea-Bissau | Pressemitteilung zur Auflösung des Parlaments
Decreto presidencial em que Sissoco dissolveu o ParlamentoFoto: Presidência da República da Guiné-Bissau

1. Parlamento dissolvido após recusar revisão constitucional do PR

As ameaças de Umaro Sissoco Embaló sobre uma possível dissolução do Parlamento são antigas. Ainda em outubro passado, Embaló disse que a assembleia tinha "os dias contados".

"A dissolução do Parlamento está na minha mão e nem sequer levará um segundo", disse o Presidente da República à imprensa quando questionado sobre o seu projeto de revisão da Constituição, que não constava da agenda dos parlamentares.

Na semana passada, a ANP rejeitou discutir a proposta da revisão constitucional apresentada pelo Presidente guineense. Em vez disso, preparava-se para discutir e votar a proposta da revisão constitucional feita pelos próprios parlamentares pois, segundo a Constituição, são eles que têm essa prerrogativa.

Sissoco Embaló esclareceu, entretanto, que dissolveu o Parlamento por este se ter tornado num "num espaço de guerrilha política, de conspiração" e por "estar em causa o normal relacionamento institucional entre os órgãos de soberania".

O jurista Fodé Mané disse, na semana passada, que este não era argumento suficiente para justificar a dissolução. "O que se pode entender é que, talvez, Sissoco não tenha confiança na 'maioria política' que o assegurava", afirmou Mané.

No comunicado desta segunda-feira, Sissoco cita outra razões para a sua decisão: Segundo o Presidente da República, a ANP "tem defendido e protegido, sob a capa da imunidade parlamentar, deputados fortemente indiciados pela prática de crimes de corrupção, administração danosa e peculato"; além disso, "tem recusado de forma sistemática o controlo das suas contas pelo Tribunal de Contas".

Afrika Guinea-Bissau Parlament
A última sessão parlamentar decorreu na semana passada num dos hotéis da capital guineense Foto: Iancuba Danso/DW

2. Dissolução nas vésperas da chegada da força da CEDEAO

A Missão de Estabilização e Segurança para a Guiné-Bissau (MSSGB) deverá chegar ao país esta quarta-feira (18.02). Segundo a agência de notícias Lusa, o primeiro contingente de 90 militares deveria entrar em território guineense já na terça-feira, mas "razões operativas" terão protelado a operação para o dia seguinte.

"Como são militares de diferentes países, é preciso concentrá-los num único país para depois partirem para a Guiné-Bissau. São só razões operativas", referiu uma fonte militar guineense à Lusa.

A missão, que gerou forte controvérsia na Guiné-Bissau, deverá ter a duração de 12 meses. Segundo os críticos, trata-se de uma "humilhação" para o país; a CEDEAO estaria apenas a "proteger um amigo" na Guiné-Bissau.

3. Dissolução antes do debate sobre onda de ataques

A dissolução do Parlamento ocorre também depois de a ANP ter convocado os ministros do Interior e da Defesa – Botche Candé e Sandji Fati, respetivamente – para explicar os motivos da presença das tropas estrangeiras no país, fora do âmbito constitucional, segundo a ANP. Estava ainda previsto um debate sobre a onda de raptos e espancamentos (alegadamente por motivos políticos) no país, com interpelações ao ministro do Interior.

Há cerca de uma semana, o partido União para a Mudança (UM) acusou ambos os ministros de incapacidade de garantir a segurança no país, responsabilizando-os pelo ataque ao deputado guineense Agnelo Regala, que foi alvejado junto à sua residência no centro de Bissau.

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Deputado Agnelo Regala foi baleado em BissauFoto: DW/B.Darame

"A UM não tolerará a impunidade e o abuso do poder e, a partir de agora, em fiel defesa dos seus ideais e princípios, considera-se no direito do uso de todas as formas de defesa ao seu alcance, começando pela via legal a nível nacional e internacional para que os responsáveis morais e materiais deste hediondo e criminoso ato sejam exemplarmente punidos à luz das legislações nacionais e internacionais", prometeu o partido em comunicado.

O primeiro-ministro, Nuno Nabiam, repudiou o ataque; o Presidente da República disse que se tratava de um "assunto da polícia", acrescentando: "Não falo do cidadão Agnelo Regala. Não sei se é atentado, se é intentona, na Guiné tudo se passa". A polícia disse estar a investigar, mas assegurou que este era um "caso isolado".

Esta é a segunda vez na história da Guiné-Bissau que a Assembleia Nacional Popular é dissolvida. A primeira vez foi em 2002, pela mão do então Presidente Kumba Ialá. Na altura, o chefe de Estado disse que os deputados estavam a tentar "subtrair os poderes do Presidente da República" através de um processo de revisão constitucional. Formou, depois, um governo de iniciativa presidencial. No ano seguinte, Kumba Ialá foi afastado da Presidência da República através de um golpe militar.

Sissoco Embaló anunciou que Nuno Nabiam continuará a desempenhar as funções de primeiro-ministro até às eleições legislativas antecipadas, que o chefe de Estado já marcou para 18 de dezembro de 2022.