Guiné-Bissau: Comunidade internacional "falhou"
4 de julho de 2020O analista político guineense Diamantino Domingos Lopes disse à Lusa que a comunidade internacional "falhou desde o começo" na Guiné-Bissau ao reconhecer Umaro Sissoco Embacó como Presidente do país, comprometendo a idoneidade do Supremo Tribunal de Justiça.
"Já tratavam Umaro Sissoco Embaló como Presidente eleito, mesmo perante um contencioso no Supremo Tribunal de Justiça e de repente decidiram recuar porque estavam a comprometer a idoneidade da maior instituição judiciária da Guiné-Bissau", disse à Lusa.
Só que, salientou Diamantino Domingos Lopes, já "não conseguiram porque já tinham manifestado o seu posicionamento numa direção, isto levou Umaro Sissoco Embaló a tomar posse simbólica e consequentemente demitir a e nomear um novo Governo".
Para o analista, a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), que tem mediado a crise no país a pedido do Conselho de Segurança da ONU, também não cumpriu a sua missão, nomeadamente quando as forças armadas invadiram as instituições de Estado para permitir que o Governo de Nuno Nabiam assumisse o poder.
"Não se sabe o que é exatamente, mas há uma teoria de jogos muito mais complexa do que podemos imaginar, que acabam por influenciar negativamente o processo político da Guiné-Bissau", afirmou Diamantino Domingos Lopes.
"Dividir para reinar"
Para o analista, a comunidade internacional, em "função dos seus múltiplos interesses", não está isenta de ter contribuído para a instabilidade política na Guiné-Bissau.
O sociólogo alerta também que nos próximos tempos se vai assistir a uma estratégia política de "dividir para reinar" para os partidos políticos salvaguardarem os seus interesses.
"A homogeneização da sociedade guineense complica as contas, mas, mesmo assim, há sempre o crescimento de tendências radicais alinhadas a estes princípios, o que é muito perigoso para a reconciliação nacional e um diálogo inclusivo em busca da construção de uma Guiné-Bissau próspera", disse.
Apoio de deputados do PAIGC a Governo demostra fragilidade da democracia
Diamantino Lopes considerou em entrevista à Lusa que o apoio de cinco deputados do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde ao programa do Governo de Nuno Nabian demonstra a "fragilidade da democracia" na Guiné-Bissau.
"Parece um ato democrático normal, mas na verdade está muito longe disso, considerando todo o aparato que antecedeu a convocação da sessão parlamentar", afirmou o sociólogo Diamantino Domingos Lopes, em declarações à Lusa.
O analista deu como exemplo o sequestro, em maio, do deputado Marciano Indi, líder de bancada parlamentar de Assembleia do Povo Unido -Partido Democrático da Guiné-Bissau (APU-PDGB).
"Até hoje não existe uma justificação formal e oficial do Ministério de Interior sobre o sucedido, também faltou uma reação enérgica da Assembleia Nacional Popular e dos deputados e de todas as formações políticas, exceto do PAIGC e seus aliados", afirmou.
Situação confusa
O programa de Governo de Nuno Nabiam foi aprovado na segunda-feira (29.06) com o apoio de cinco deputados do PAIGC, que viabilizaram, assim, a maioria reivindicada pelo Movimento para a Alternância Democrática (MADEM-G15), Partido de Renovação Social e Assembleia do Povo Unido - Partido Democrático da Guiné-Bissau (APU-PDGB).
Aquelas três formações políticas, que constituem o atual Governo, nomeado pelo Presidente do país, Umaro Sissoco Embaló, reivindicavam a maioria no parlamento, apesar de quatro dos cinco deputados da APU-PDGB manterem fidelidade a um anterior acordo de coligação assinado entre o PAIGC, a APU-PDGB, União para a Mudança e Partido da Nova Democracia.
Para Diamantino Domingos Lopes, isto revela "ausência de solidariedade mecânica", ou seja, "menos competição e mais harmonia, coesão e integração" e excesso de "competição, divisão e conflito social, que é característica da sociedade guineense".
"É complicado descrever e compreender a realidade sociopolítica da Guiné-Bissau, devido à ambiguidade entre a irracionalidade e racionalidade, dilema e consenso, ação individual e coletivo", afirmou.
"Cipriano fez jogo mais complicado”
Segundo o sociólogo, o que aconteceu no Parlamento na segunda-feira demonstra a "incongruência da relação e interação social", bem como a "falta de compromisso com o interesse do grupo de pertença".
Os cinco deputados do PAIGC, que já não tinham participado nas jornadas parlamentares do partido, "decidiram furar o boicote", viabilizando não só a realização da sessão plenária, como também a aprovação do programa do Governo, justificando "simplesmente com o interesse da Guiné-Bissau".
Em relação ao presidente do Parlamento, Cipriano Cassamá, e que assume também as funções de vice-presidente do PAIGC, Diamantino Domingos Lopes disse que "fez o jogo mais complicado".
"Assumiu uma orientação do Presidente para encontrar solução para um problema, caso contrário o Parlamento seria derrubado, e com base nessa pressão deu fuga para frente assumindo a responsabilidade de encontrar solução, mesmo fora do âmbito das suas competências", salientou.
O analista considerou que Cipriano Cassamá viu um "caminho aberto" para "concretizar o seu maior sonho", que é chegar à liderança do PAIGC e "projetar a ida para o Palácio da República".
"Merece ou não ser sancionado, merece, apesar de votar contra (programa do Governo), ele neste momento foi quem mais atingiu o partido", disse.
O analista considerou, por outro lado, que o PAIGC tem tido problemas em lidar com a situação política vigente, legitimando ou não as autoridades instaladas.
Deputados do PAIGC presenciar a sessão parlamentar
"A presença da direção do partido nas reuniões com o Presidente da República, considerações e advertências que ao longo do tempo faz ao Governo, faz pensar que as legitima", disse.
Por essa razão, defendeu o sociólogo, o PAIGC deveria ter estado presente na abertura da sessão parlamentar, para haver debate político sobre as ideias e as orientações políticas do partido.
"Seria um bom momento de debate político sobre os valores democráticos, fundamentada na ética, compromisso, liberdade e responsabilidade. Era uma bela oportunidade para reabrir os textos do compromisso assumido para com o partido e consequentemente para com o eleitorado", salientou.
"Mas, o meu maior medo é a supremacia do poder económico face aos valores, o dinheiro não deve comprar a democracia, isto porque quem paga a fatura é a sociedade", concluiu.