Guiné-Bissau: Educação é chave para acabar com MGF
6 de fevereiro de 2017"Com educação, informação e sensibilização, estamos a ver que [a prática da mutilação genital feminina] pouco a pouco está a terminar". O balanço é de Fatumata Djau Baldé, presidente do Comité para o Abandono das Práticas Tradicionais Nefastas à Saúde da Mulher e da Criança da Guiné-Bissau e ex-ministra dos Negócios Estrangeiros.
Pelos dados de Fatumata Djau Baldé, se em 2010, "36% das mulheres na Guiné-Bissau diziam que queriam a continuidade da prática", já 2014, essa era opinião de "somente 13%".
Esta segunda-feira (06.02) assinala-se o Dia Internacional da Tolerância Zero Contra a Mutilação Genital Feminina. As Nações Unidas estimam que, em todo o mundo, 200 milhões de meninas e mulheres foram submetidas à circuncisão feminina.
A mutilação genital feminina é uma prática que retira o clitóris e, às vezes, outras partes do órgão genital feminino. Esta prática pode causar hemorragias, por vezes provocando a morte ou problemas de saúde, como, por exemplo, infertilidade. Entre as consequências da MGF constam ainda complicações no parto e aumento de risco de morte dos recém-nascidos.
Prática cultural
A Guiné-Bissau tem desde 2011 uma lei que criminaliza a excisão genital feminina. Mas a prática é vista como "um ritual social", fazendo parte "da identidade cultural das comunidades que a praticam", explica Fatumata Djau Baldé.
Os dados da Organização Mundial de Saúde apontam que cerca de 50% das mulheres e raparigas da Guiné-Bissau foram submetidas à excisão.
A responsável considera ainda que esta prática também se deve ao "estatuto tradicionalmente baixo que é atribuído às mulheres".
"As mulheres são relegadas a um segundo plano, não decidem por elas mesmas, e da forma como a prática é realizada, dentro de uma própria comunidade, não são só os familiares diretos que decidem sobre a realização ou não da prática, mas toda a comunidade", afirma Fatumata Djau Baldé.
Homens mais defensores da MGF
A mutilação genital feminina é tida, na Guiné-Bissau, como uma recomendação religiosa e por isso, nota Fatumata Djau Baldé, "os homens é que estão mais a lutar pela continuidade [da prática] do que as próprias mulheres".
Se os homens dizem que é uma recomendação do Corão, as "mulheres aceitam", sublinha a presidente do Comité para o Abandono das Práticas Tradicionais Nefastas à Saúde da Mulher e da Criança da Guiné-Bissau.
Lei discriminatória
Há quem, no entanto, se mostre a favor da mutilação genital feminina. É o caso do Movimento Contestatário à Lei da Proibição das Práticas de Mutilação Genital Feminina. Segundo o coordenador, Iaia Rachide Jaló, a lei em vigor é "discriminatória, porque viola o artigo 24 da nova Constituição e é dirigida exclusivamente contra a comunidade muçulmana".
O líder religioso alega ainda que "a religião muçulmana autoriza, com base no Corão sagrado, a prática”. Um terceiro argumento deste grupo é o facto da excisão feminina ser "um ato cultural e milenar das tribos islâmicas da Guiné-Bissau", que "não prejudica nada".
Segundo Iaia Rachide Jaló, "95% dos muçulmanos da Guiné-Bissau" estão contra a lei que penaliza a prática. "São homens e mulheres. Estão todos contra", conclui.
O argumento religioso utilizado por Iaia Rachide Jaló é contrariado por Fatumata Djau Baldé: “não existe no Corão nenhuma passagem que diga que a prática da MGF seja uma recomendação obrigatória”.
“O livro sagrado menciona que, quando o profeta Maomé estava a passar por Meca, encontrou uma senhora que realizava esta prática e, ao perguntar-lhe o que estava a fazer, a mesma respondeu que era uma fanateca, que fazia a MGF. O profeta, então, teria dito: "Se vais fazer isso que levante o braço". E isso significava cortar a menina superficialmente para não criar maiores danos. Mas o profeta não disse que era obrigatório - aliás, em nenhum momento o Corão diz que a prática da MGF é uma recomendação islâmica e que a mulher deva ser submetida à prática”, alega Fatumata Djau Baldé.
De acordo com as Nações Unidas, se a tendência da mutilação genital feminina se mantiver, até 2030, mais 15 milhões de raparigas, entre os 15 e os 19 anos, podem ser sujeitas a esta prática.