Sociedade civil guineense condena fim de isenções fiscais
13 de setembro de 2022A sociedade civil guineense está preocupada com a decisão do Governo de suspender isenções a organizações não-governamentais e entidades religiosas.
Em entrevista à DW África, o presidente do Movimento da Sociedade Civil da Guiné-Bissau, Carambá Sanhá, apela ao diálogo depois da notícia do congelamento das isenções fiscais e aduaneiras sobre bens e produtos importados ou adquiridos no país.
O responsável pela plataforma que congrega cerca de 100 organizações considera que a medida não tem enquadramento legal e espera que o Governo recue na decisão, que poderá levar ao encerramento de muitas portas e só irá prejudicar os que mais precisam.
DW África: Está preocupado com este anúncio feito pelo Ministério das Finanças da Guiné-Bissau?
Carambá Sanhá (CS): É com bastante preocupação que nós recebemos essa informação, através de um despacho do ministro das Finanças [Ilídio Vieira Té]. A nossa preocupação prende-se com a contribuição das organizações da sociedade civil e das entidades religiosas para o desenvolvimento, porque, de facto, têm tido grandes intervenções e impacto nas nossas comunidades, junto da população. Se vierem consumar essa suspensão, certamente que as ONG e as entidades religiosas que atuam sem fins lucrativos não poderão estar em condições de cumprir com o desalfandegamento do que tem sido doado pelos nossos parceiros de desenvolvimento.
DW África: Portanto, o impacto desta suspensão será muito grande. Que consequências diretas haverá para a população, no imediato?
CS: As ONG e entidades religiosas suportam uma grande parte das nossas comunidades no que diz respeito à educação e à saúde. Portanto, se eventualmente não houver condições, terão de fechar as suas portas e suspender as suas atividades. [A situação] pode até agravar-se em relação ao que já foi importado e está a caminho. As doações que estão a caminho e também que já estão aqui, nas nossas alfândegas, poderão ficar lá até vencerem os prazos, até se consumar a decisão do Governo. Por isso, estamos bastante preocupados.
DW África: Além disso, considera que há aqui uma falta de enquadramento legal, tendo em conta que há duas leis que regulam as isenções fiscais e aduaneiras que não podem ser substituídas por este despacho do ministro das Finanças...
CS: Exatamente, tem a ver com a lei 26/93 e a lei número 02/95, que também deu esse privilégio às nossas organizações da sociedade civil, às ONG e também às fundações que têm tido grandes intervenções e têm trabalhado bastante para as populações. Estão em locais onde o nosso Governo não consegue chegar, onde o Estado não consegue resolver os problemas das comunidades. São as ONG, as entidades religiosas e as fundações que estão lá.
Dizemos que isso não tem enquadramento legal, porque essas leis foram adotadas ao nível do Conselho de Ministros e publicadas no diário oficial do Governo, que é o Boletim Oficial, e, portanto, não é um mero despacho do ministro das Finanças que poderá pôr em causa um diploma legal. O assunto das isenções fiscais e aduaneiras concerne às entidades governamentais - o Ministério dos Negócios Estrangeiros, o Ministério da Economia, Plano e Integração Regional e o Ministério das Finanças, que é o último. Não poderá ser o último a decidir por todos sem haver uma coordenação, sem informar as organizações, sem rever o diploma. Portanto, não tem enquadramento legal.
DW África: Tendo em conta o impacto que a medida poderá ter junto da população, quer deixar um apelo ao Governo?
CS: É pertinente que haja um diálogo entre as organizações da sociedade civil e o Governo. Cada vez que há uma decisão de caráter, que poderá prejudicar o Governo ou a sociedade civil, nós podemos sentar-nos à mesa e discutir para podermos depois sensibilizar as organizações. Em caso de desvio de procedimento, nós nunca iremos colaborar com organizações que atuam na possibilidade de prejudicar o Estado da Guiné-Bissau.
Por isso, acho que o Governo deve recuar nesta decisão para facilitar que as coisas continuem na senda de apoio às comunidades, em que o maior beneficiário é o Estado, porque aquilo que o Estado não consegue fazer nós estamos a fazer.