Historiador acredita que eleições vão limpar má imagem da Guiné-Bissau
11 de abril de 2014Em entrevista à DW África, o professor universitário diz acreditar que as eleições de 13 de abril, que têm “novos protagonistas” com outras perspetivas e que funcionam segundo “outros paradigmas”, servirão para limpar má imagem da Guiné-Bissau, que já é independente há 40 anos.
Leopoldo Amado deseja para a Guiné-Bissau dirigentes de “mãos limpas”, sem antecedentes com a justiça e sem ligações ao mundo da droga.
DW África: Como historiador, analista e principalmente como guineense, como encara essas eleições gerais na Guiné-Bissau?
Leopoldo Amado (LA): Vejo-as como uma oportunidade ímpar para que o país regresse à ordem constitucional, mas também elas representam um fecho de um ciclo, um ciclo longo de instabilidade em que o país não se encontrou consigo mesmo. Espero que este ciclo termine e que essas eleições possam significar a abertura de uma nova era para o país.
Porque a Guiné-Bissau é um país extraordinário com todas as condições, com recursos naturais, muitos quadros, ou seja, um país com as condições necessárias para se inserir na economia internacional que pode, querendo suprir as necessidades das suas populações. Portanto um país perfeitamente viável que precisa da paz e de estabilidade para que possa promover o seu desenvolvimento.
DW África: Acredita que uma das diferenças nessas eleições em comparação com as anteriores, esteja numa nova geração de protagonistas "formalmente melhor qualificada"?
LA: É evidente que essas eleições trazem novos protagonistas. Isto de "melhor formação ou não" é relativo. Mas o certo é que esses protagonistas têm outras perspetivas, funcionam segundo outros paradigmas.
Porque por incrível que pareça, a geração que fez a luta armada contra o regime colonial é também uma geração muito bem formada, mesmo que muitos tenham sido forçados a deixar as universidades para abraçarem a luta de libertação nacional, mas era também uma geração muito bem formada porque a luta não foi somente andar aos tiros.
Mas o que não tenho dúvidas, atualmente está em marcha um novo paradigma que resultante de uma nova visão de como estar no concerto das nações e principalmente como comportar-se daqui para a frente para que possamos limpar esta má imagem de um país destroçado por um longo período de guerras fratricidas, de golpes de Estado e de uma grande instabilidade.
DW África: O período pós-eleitoral já levanta algumas preocupações, nomeadamente no seio da comunidade internacional. Para si, qual deve ser a atuação dessa mesma comunidade internacional em relação à Guiné-Bissau?
LA: Se a Guiné-Bissau não se estabilizar também a própria comunidade internacional terá problemas. Não esqueçamos que durante muito tempo a Guiné-Bissau foi um factor de instabilidade, não apenas na África ocidental, a região onde está inserida, mas a nível do mundo devido ao narcotráfico. No passado, a Guiné-Bissau desempenhou um papel de facto perturbador. A instabilidade na Guiné-Bissau projeta-se, digamos assim, internacionalmente.
Muitas vezes a comunidade internacional não compreendeu muito tempo o problema da Guiné-Bissau porque essa mesma comunidade tem receitas mecânicas e muito paradigmáticas para analisar todos os casos e países, sobretudo os pobres, como a Guiné-Bissau. Felizmente essa comunidade internacional já compreendeu que cada caso é um caso e que a instabilidade recorrente na Guiné-Bissau tem as suas causas e especificidades próprias. A Guiné-Bissau está a atravessar um processo profundo de reconsideração social e política e agora que esse ciclo de instabilidade estava a tornar-se longo, a comunidade internacional empenhou-se muito mais.
Recebemos na Guiné-Bissau uma figura de dimensão do ex-Presidente de Timor-Leste, José Ramos-Horta, foi instalada em Bissau uma estrutura de peso como a UNIOGBIS [Escritório Integrado das Nações Unidas para a Consolidação da Paz na Guiné-Bissau], etc. Tudo isso porque a comunidade internacional entendeu que o problema desse país requeria intervenções mais musculadas. É evidente que nem tudo que foi feito foi reavaliado da melhor forma, mas há coisas que só iremos ver os resultados daqui a algum tempo.
DW África: Pelo que nos acabou de dizer, conclui-se que com o pleito eleitoral no dia 13 de abril a Guiné-Bissau termina um período da sua conturbada existência para entrar numa nova fase?
LA: Não são propriamente as eleições que vão resolver todos os problemas da Guiné-Bissau, mas sim são o corolário de todo um processo e esses sinais que vinham surgindo demonstravam que este ciclo de instabilidade estava a chegar ao fim. E a comunidade internacional que percebeu esses sinais, apesar de ter cortado as relações com o governo de transição com quem não se relacionaram plenamente, foi necessário que as partes encontrassem plataformas de entendimento para solucionar certas questões. Muitas foram resolvidas, outras estão a ser e outras enfim são de mais difíceis resoluções nomeadamente a reforma no sector da defesa e segurança.
Mas acredito que toda esta intervenção, a mobilização dos guineenses e o facto da população já estar cansada deste ciclo de instabilidade leva a que tudo e todos trabalhem para uma mudança. Creio que este é o momento ideal para que as coisas mudem. A Guiné-Bissau tem problemas étnicos, tem clivagens de toda a natureza, casos de pobreza, muitas vezes de pobreza extrema, enfim, tem muitas questões por resolver porque esses 40 anos de independência deixaram sequelas nomeadamente no que concerne à satisfação das necessidades básicas das populações, no setor da saúde, da educação, das finanças públicas, etc.
DW África: Depois das eleições gerais o principal desafio dos novos dirigentes passa evidentemente pela estabilização da Guiné-Bissau e ao mesmo tempo credibilizar o país. Mas para que tal aconteça os candidatos envolvidos na corrida eleitoral devem ser, como se diz em Bissau, “pessoas frescas e limpas de todas implicações”. Defende também esta tese?
LA: Desejava para a Guiné-Bissau dirigentes que sejam de mãos limpas, que não tenham antecedentes nem com a justiça nem com o passado tenebroso da droga ou com outros crimes que prejudicaram grandemente o próprio Estado. Por isso, acredito que o novo ciclo que vai começar será também do combate a essas pragas que têm corroído o que ainda resta do Estado da Guiné-Bissau. Não gostaria de ter o Presidente ou o primeiro-ministro do meu país indivíduos que tenham a ver com os crimes do passado.