Human Rights Watch: assassinato "mancha processo eleitoral"
9 de outubro de 2019Na madrugada de segunda para terça-feira (08.10), foi morto a facadas um membro da RENAMO em Vilakulo, na província de Inhambane. Antes, na segunda-feira (07.10), o observador eleitoral e membro da plataforma Sala da Paz, Anastácio Matavel, foi morto a tiros quando saia de uma formação para observadores eleitorais.
Zenaida Machado, pesquisadora para Moçambique da organização não governamental norte-americana Human Rights Watch, está indignada. Para ela, o assassinato de Anastácio Matavel mancha o processo eleitora, intimida e incentiva a impunidade.
Em entrevista à DW África, Machado apela para que se faça uma investigação profunda do crime e se apresente respostas concretas à sociedade moçambicana. ao mesmo tempo em que elogia a rapidez da Polícia na prisão de dois de seus agentes, suspeitos de terem participado no crime, critica a corporação como incapaz de conter a violência que se verifica no país.
A pesquisadora diz ainda que os líderes políticos do país, entre eles o Presidente Filipe Nyusi, devem se distanciar publicamente da violência e afirma que será "muito difícil dizer-se que, no final, esse processo eleitoral foi um processo igual para todas as partes".
DW África: Pediria que comece por comentar o assassinato do observador eleitoral Anastácio Matavel, na passada segunda-feira (07.10)., na província de Gaza.
Zenaida Machado (ZM): Esse assassinato é assustador e mancha bastante o processo eleitoral que está a decorrer em Moçambique neste momento. Se não for esclarecido, vai aumentar o nível de medo, intimidação e a impunidade que já temos verificado que está presente na sociedade civil em Moçambique e no sistema judicial.
O incidente terminou com outro acidente que nos dá a oportunidade de conhecer quem perpetuou o assassinato. Mas é importante que as investigações nos levem a descobrir quem ordenou tal prática.
DW África: A polícia confirmou que quatro dos cinco principais suspeitos de envolvimento no crime são agentes da corporação. Como avalia essa reação da PRM?
ZM: O facto de eles terem sido rápidos a esclarecer o que se terá passado é algo que devemos assumir como sendo um passo positivo em direção aos resultados finais. Pela primeira vez, estamos a ver um interesse claro – ou um aparente interesse claro – da Polícia em esclarecer o que se passou na segunda-feira.
Apesar de não providenciarem muitos detalhes, explicaram que dos cinco ocupantes do automóvel, quatro são membros da corporação, sendo que um é membro das Forças Especiais. O que está a faltar agora é dizerem-nos: essas pessoas estavam a atuar a mando de quem?
Dois generais sêniores, na província de Gaza, terão sido suspensos neste período da investigação. É importante que, quando as investigações estiverem terminadas, nos digam qual o relacionamento desses generais com os jovens que foram detidos ou que morreram no local do acidente e porque esses jovens se sentem na necessidade de assassinar um membro da sociedade civil, um observador eleitoral.
DW África: Foi anunciada a criação de uma comissão de inquérito que tem 15 dias para apresentar um relatório sobre o assassinato. O que espera desta investigação?
ZM: Há algumas perguntas que devem ser esclarecidas. Quem os mandou? Porque os mandou fazer aquilo? Qual é o objetivo? Existe em Moçambique um esquadrão da morte cuja função é eliminar críticos ou pessoas que estejam a trabalhar para a sociedade civil? Se existe, quem o criou? Com que objetivo? Todas essas perguntas devem ser esclarecidas.
DW África: Acredita que este homicídio terá consequências no ambiente em que decorrem tanto a campanha como as próprias eleições gerais?
ZM: Sem sombra de dúvidas. Quando fica claro que agentes da Polícia são capazes de deixar de fazer o seu trabalho constitucionalmente permitido, que é defender o território moçambicano e o cidadão, ao invés disso vão esperar pessoas que estão dentro de uma sala de reuniões a preparar-se para ter eleições ordeiras para assassiná-las, isso é preocupante.
Qualquer membro da sociedade civil que neste momento esteja com receio de fazer o seu trabalho, tem o receio legitimado. Portanto, é preciso que as Forças de Segurança venham a público esclarecer o que se passou na segunda-feira, punir exemplarmente quem terá ordenado aquela ação ou os que já estão detidos também e garantir que haja segurança.
Todo esse processo eleitoral tem sido bastante violento, sob o olhar incompetente e incapaz da Polícia. Claramente, a Polícia não está a ser capaz de controlar essa violência, não está a ser capaz de controlar as multidões de apoiantes de todas as partes políticas. Não são só apoiantes do partido no poder. Os casos de violência, um pouco por todo lado, surgem de todos os lados.
O mais preocupante é que, essa fase eleitoral é a fase que deve ser festiva. à medida em que nos aproximamos do dia das eleições, do processo de anúncio dos resultados das eleições, a tensão tende a subir. se a Polícia está a ser incapaz de gerir a violência nesta fase, há grandes receios que, quando cheguemos à altura em que as tensões são mais altas, cheguemos a um nível de caos.
DW África: como travar essa onda de violência que se verifica em Moçambique?
ZM: Líderes dos partidos políticos, todos eles, devem publicamente parar de acusarem-se uns aos outros e apelarem aos seus próprios apoiantes a se distanciar de quaisquer atos de violência. A Polícia, ao seu mais alto nível, deve mostrar com ações, com palavras, que está capaz de parar a violência e garantir que haja um nível de segurança aceitável para todos aqueles que vão depositar o seu voto no dia 15 de outubro.
O comandante em chefe e chefe de Estado moçambicano deve deixar um pronunciamento claro de que se distancia de quaisquer ações relacionadas à violência, mesmo que venham de membros do seu partido, e que, na sua qualidade de Presidente da República, vai garantir que essas eleições sejam pacíficas, livres e justas.
DW África: ainda existe a possibilidade que se conclua, no futuro, que essas eleições foram livres, justas e transparentes?
ZM: O processo em si já está um pouco comprometido, porque estamos na reta final e, claramente, nem todas as pessoas tiveram a mesma disponibilidade de fazer campanha.
Aquelas pessoas que foram intimidadas, aquelas pessoas que tiveram as suas casas queimadas, aquelas pessoas que foram atacadas fisicamente, alguns candidatos presidenciais - estou a falar do caso concreto do candidato do MDM que foi várias vezes impedido de fazer os seus comícios eleitorais, o candidato presidencial da RENAMO que foi apedrejado, a sua caravana foi apedrejada nesta campanha - nem todas as partes tiveram a mesma possibilidade de exercer o seu direito de solicitar o voto, o seu direito de fazer campanha, o seu direito de fazer reuniões e falar do seu projeto político.
Em cima disso, todo um nível de violência, o silêncio assustador por parte da Comissão Eleitoral. Vai ser muito difícil dizer-se que, no final, esse processo eleitoral foi um processo igual para todas as partes que participaram nele.