Há uma tentativa de apagar a imagem de Carlos Cardoso
20 de novembro de 2015Na altura em que Carlos Cardoso foi assassinado investigava a maior fraude bancária em Moçambique, no Banco Austral, que tinha como principais gestores importantes figuras do partido no poder, a FRELIMO. Os autores materiais foram indivíduos que pertenciam a grupos criminosos, mas sobre os autores morais muito pouco ficou claro até agora, apesar do julgamento. Mas Nyimpine Chissano, filho do Presidente do país na altura, Joaquim Chissano, teve o seu nome envolvido. Ainda sobre esta investigação outra pessoa foi assassinada, o economista e gestor Siba-Siba Macuacua.
Carlos Cardoso é uma referência do jornalismo em Moçambique também porque foi um dos fundadores da primeira cooperativa de jornalista do país, a Mediacoop (1992), algo que só foi possível com a entrada do multipartidarismo.
Sobre esta figura a DW África entrevistou um dos seus colegas de trabalho nesta cooperativa, Fernando Lima. O jornalista dirige o semanário Savana, também co-fundado por Cardoso.
DW África: O que mudou no panorama dos media em Moçambique desde a morte de Carlos Cardoso?
Fernando Lima (FL): Eu acho que mudou muita coisa para já, e digo isso com muito pesar. Acho que não há um verdadeiro substituto de Carlos Cardoso, se é que isso poderia realmente ser um objetivo. Nem sequer grandes aspirantes a um título ou a uma responsabilidade desta natureza. Agora, o que mudou concretamente, acho que há de algum modo um panorama sombrio em termos de investigação, em termos de profundidade de investigação e em termos de seriedade. E claro que isto não se explica apenas por uma questão de recursos humanos, de pessoas, de personalidades, de novas estrelas do jornalismo, também tem a ver com uma situação económica que claramente se agravou muito desde o assassinato de Carlos Cardoso. A maior parte dos jornais e de outros órgãos de informação trabalham com muitas dificuldades, o que representa uma grande pressão sobre os recursos humanos das redações, o que significa que os jornalistas, de facto, não têm tempo para aprofundar as suas matérias, para dar mais qualidade aos trabalhos que apresentam. E também diria, em última análise, e sobretudo nos últimos anos, o ambiente da liberdade de imprensa claramente se deteriorou.
DW África: Trabalhou e conviveu com Carlos Cardoso. Imagina-o, hoje, a fazer jornalismo nas atuais ciscunstâncias?
FL: Claramente que as circunstâncias em que Cardoso operava não se alteraram radicalmente, ou seja, a base legal não foi alterada. Digamos que há situações de conjuntura política que se alteraram. Ora, um dos elementos importantes do DNA de Carlos Cardoso era a sua grande coragem, uma grande inteligência e também um grande afinco. Eu acho que existem condições claras para que ele fizesse um bom trabalho. Agora, isso não significa que não teria de enfrentar os expedientes do dia, nomeadamente, por exemplo, o que aconteceu há dois meses com o editor do MediaFax que foi alvo de uma investigação da Procuradoria-Geral da República porque publicou um escrito de uma outra pessoa.
DW África: Carlos Cardoso é muitas vezes lembrado e é tema de discussões em conferências internacionais, como por exemplo em universidades na África do Sul. Em Moçambique, ele é lembrado da mesma maneira?
FL: Eu diria que no coração dos jornalistas, no consciente dos jornalistas o respeito e a admiração é idêntico ou ainda maior, porque o sentimos como nosso, uma pessoa que viveu e trabalhou nesse país. Mas há outros fatores que explicam uma tentativa de lavagem da própria imagem de Carlos Cardoso ou uma tentativa de nos fazer esquecer.