Ilha do Príncipe aposta no turismo sustentável
13 de outubro de 2016A Ilha do Príncipe é a segunda mais importante do país, separada por cerca de 150 quilómetros de mar da capital São Tomé. O Príncipe é um verdadeiro paraíso tropical, no Golfo da Guiné, reconhecido pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) como Reserva Mundial da Biosfera. Com vegetação densa e exuberante, praias deslumbrantes e gente extremamente hospitaleira, tornou-se uma região autónoma após a independência do país.
Nos últimos anos, a ilha de 142 quilómetros quadrados tem despertado o interesse dos investidores estrangeiros, especialmente depois que o turismo ganhou os holofotes da política económica nacional, com a aprovação do Plano Estratégico para o Desenvolvimento Turístico em São Tomé e Príncipe (PEDT), já em 2001. Em 2013, o turismo contribuiu com 9% do Produto Interno Bruto (PIB) do país.
Combater a pobreza sem prejudicar meio ambiente
Aqui, a filosofia é acabar com a pobreza sem comprometer a preservação do meio ambiente através de um turismo sustentável. Algo como o contrário do turismo de massa, define o Presidente do Governo Regional da Ilha do Príncipe, José Cardoso Cassandra: "Nós tínhamos que olhar para um turismo que, por um lado, fosse diferente, único, mas que, por outro lado, estivesse no mercado de uma forma competitiva. E uma coisa diferente, na nossa perspectiva, era uma coisa sustentável, uma coisa que nos dê garantia de que [o Príncipe] não será destruído com a massificação," considera.
"Um turismo que respeite a nossa identidade, a nossa cultura, a nossa arquitetura paisagística, patrimonial, porque não temos espaço para fazer turismo de massa,” continua o Presidente do Governo Regional da Ilha do Príncipe. Segundo Cassandra, não se trata de um turismo de sol e praia, que os turistas convencionais estão à procura. "Um turismo mais virado para a natureza, para a investigação, para a observação de pássaros endêmicos. A praia é o complemento," explica.
Concessão de terras a investidores estrangeiros
É por meio de concessões de terras que o investimento estrangeiro tem chegado à Ilha do Príncipe. Cerca de 17% da área total da ilha foram destinados para tal e metade deste território já está concessionado, de acordo com o Presidente do Governo Regional.
No setor turístico, limita-se, no entanto, a criação de até 15 empreendimentos hoteleiros, com um máximo de 50 quartos cada. E para que estes investimentos beneficiem também o cidadão comum, a regra é gerar empregos para a população local, diz José Cardoso Cassandra. "A partir do quinto ano do desenvolvimento do projeto, na sua fase de execução, a direção do projeto terá que ser substituída paulatinamente pelos nacionais. Até a sua execução, 90% dos quadros do projeto devem ser nacionais, só 10% é que devem ser estrangeiros," garante Cassandra.
Dois grupos internacionais: HBD e Africa’s Eden
Entre os empreendimentos já em marcha, destacam-se dois investidores: O Grupo HBD, do milionário sul-africano Mark Shuttleworth, e o operador turístico Africa’s Eden (ou Éden de África, em português), do holandês Rombout Swanborn.
A empresa Africa’s Eden apresenta-se como interessada em desenvolver o turismo de baixo impacto ambiental em países da África Ocidental, com base no conceito "o turismo paga pela conservação". Na Ilha do Príncipe, detém a concessão situada nos terrenos da antiga Roça Belo Monte, que produziu cacau e café no período colonial.
Hotel boutique em Belo Monte
Situada no nordeste da Ilha do Príncipe, Belo Monte começou a operar como hotel boutique em 2015, depois de passar por uma recuperação que manteve o antigo estilo colonial português, com uma arquitetura clássica e mobiliário elegante.
Ao todo, o hotel oferece 15 quartos de alto padrão, distribuídos pela casa grande e outros prédios da antiga roça, e estão em construção três chalés. O hotel conta ainda com piscina, bar e restaurante, diz Jacques Le Roux, gerente-geral do Hotel Belo Monte. "O proprietário quer que as pessoas se divirtam aqui. Ele quer que as pessoas vejam a ilha, experienciem a natureza e as pessoas. Ele está aqui para fazer dinheiro e, no longo prazo, irá reaver o dinheiro," defende o gerente-geral.
A agricultura será retomada em Belo Monte, com o objetivo de produzir café e cacau em pequena escalda, gerando emprego para os residentes locais, segundo a empresa.
Mas mesmo antes de iniciar a reabilitação que transformou os escombros num hotel de luxo, os antigos moradores da senzala foram de lá retirados e realojados, como explica Le Roux, o gerente-geral do hotel. "Há cerca de cinco anos, realojamos as pessoas que ficaram aqui. Construímos uma vila para elas. Havia cerca de 40 famílias vivendo aqui. Construímos uma casa para cada família numa nova área e então começamos a reforma de Belo Monte," recorda Le Roux.
O valor gasto na reabilitação da Roça Belo Monte não foi divulgado. O investidor espera reaver o montante em dez anos. Belo Monte ainda se encontra parcialmente em obras, mas já recebe hóspedes, sobretudo estrangeiros.
Luxo e praias particulares no Bom Bom
Quem também oferece férias cinco estrelas no Príncipe, com direito a praia particular, é o Grupo HBD da África do Sul, presente desde 2011 no país. Atuais proprietários do exclusivo Hotel Bom Bom, o grupo detém também a concessão das roças Paciência e Sundy. Emprega atualmente cerca de 400 nacionais no Príncipe e aposta na hoteleria, na agricultura e na formação profissional como pilares do turismo sustentável, define Sérgio Duarte, diretor-geral do resort Bom Bom Príncipe.
"O turismo sustentável engloba várias vertentes, nomeadamente o impacto ambiental e também políticas de turismo responsável. A HBD é uma empresa que se dedica ao desenvolvimento sustentável da Ilha do Príncipe. Temos uma escola de cestaria para recuperar a arte de trabalhar as andalas, temos uma escola de pedreiros e vários projetos – nomeadamente na agricultura e no turismo. Damos a formação e depois damos a possibilidade de trabalharem e de crescerem profissionalmente," revela.
Assim, o Grupo HBD apresenta o projeto da Roça Sundy como motor financeiro para a população local. "Vamos comprar todas as frutas e legumes da população local, automaticamente vamos desenvolver a agricultura da maioria da população. Vamos pagar impostos à Ilha do Príncipe, automaticamente também vamos dar dinheiro ao Governo. Vamos empregar pessoas que vivem na cidade, pessoas que vivem ao sul e ao norte. Dando ordenados condignos e bem acima da média, assim se prevê que toda a população ganhe com o nosso tipo de turismo," enumera Sérgio Duarte.
A Roça Sundy será parte de um resort agrícola cinco estrelas que irá oferecer formação profissional na área da gastronomia. Na praia Sundy, está a ser construído um hotel, com previsão de inauguração em 2017. "Lá em cima, na roça, estamos a fazer uma escola de cozinha na casa grande e vamos abrir um restaurante, onde vamos dar formação a cozinheiros e empregados de mesa," garante o diretor-geral do Bom Bom.
Reabilitação e formação profissional
A reabilitação dos prédios centenários da Roça Sundy encontra-se em curso e tem por objetivo preservar ao máximo a estrutura original, explica o português Manuel de Sousa Gomes, responsável pela formação dos profissionais que trabalham na obra. "Todas estas casas têm rebocos centenários. São rebocadas com argamassa de cal. A cal, para pintar, se misturas cal com água, pintas uma casa e tem um branco completamente diferente destes brancos industriais. A parte disso, são materiais muito mais amigos do ambiente. A cal não é tão agressiva como o cimento," avalia.
Para realizar o trabalho, 20 empregados já participam de uma formação para pedreiros. Aprendem a usar técnicas e materiais tradicionais, que empregam na reabilitação dos prédios da Roça Sundy.
Carlos Sanches, de 21 anos, "nunca tinha trabalhado com cal", que agora usa para a pintura ou na argamassa. "Não sabia misturar cal e areia, mas agora já sei misturar cal e areia. Eu usava mais o cimento. Agora aqui estou a aprender a trabalhar com cal," diz.
Material reciclado também é utilizado nas obras. O vidro recolhido nas comunidades é moído e substitui a areia em rebocos e blocos, conta Manuel de Sousa Gomes. "Para fazer uma massa de chão, já não usas tanta areia. Usas o vidro. Livras-te do vidro. Porque está tudo a ir para aterro e - seja pela cerveja, seja pelo vinho – entra muita garrafa de vidro [no Príncipe]. É uma forma de reutilização, neste caso, seria reciclagem," explica.
Promessas para a população
Atualmente, o Grupo HBD emprega mais de 100 das pouco mais de 400 pessoas que ainda vivem na senzala de Sundy. Futuramente, esta população deverá ser realojada, como já aconteceu em outros projetos.
Os investidores estrangeiros prometem aos moradores a doação de casas novas fora da roça, deixando o espaço livre para os turistas, explica Sérgio Duarte, diretor-geral do resort Bom Bom Príncipe. "Eles [o Grupo HBD] irão construir uma casa com três ou quatro quartos, dependendo do número de filhos vivendo com os seus país. Eles [os moradores da senzala] serão os proprietários, como o são das casas onde vivem agora. Fazemos o grande investimento em prover boas acomodações. É função deles manter a casa e pagar as contas de energia e água," defende Duarte.
Miguel Guadalupe, de 31 anos, é um dos moradores da senzala e guarda da mata da Roça Sundy. Acredita que o realojamento será bom para a sua família de seis pessoas: "HBD vai fazer casas para tirar todo mundo daqui para ficar só turista no quintal. Deus ajuda para correr tudo bem para a minha família. Mais dinheiro, mais trabalho para todo mundo ficar bem," diz o morador.
Emiliano Mendes, de 48 anos, descendente de pais caboverdianos, cresceu na senzala de Sundy. Encontrou um trabalho com a chegada do Grupo HBD e está cheio de expectativas em relação às casas prometidas pelos investidores. Ele descreve as condições em que vivem atualmente os moradores da senzala: "A residência que nós temos não é adequada a um ser humano. Nós temos quatro paredes. Um quadrado. Aqui ficam pai, mãe, crianças e tudo mais. Portanto, é um lugar sem conforto. Não é uma situação digna. Peço a Deus que adiante isso o mais rápido possível para ver se damos um passo, porque a forma em que estamos a residir, não é muito bem adequada," avalia Mendes.
Um projeto fora de série
O montante dos investimentos do Grupo HBD no Príncipe é confidencial, mas os valores ultrapassam os 100 milhões de euros, segundo Sérgio Duarte. Apenas na ampliação do aeroporto local, teriam sido investidos mais de 16 milhões de euros. O retorno financeiro é esperado em 20 anos.
O diretor-geral do resort Bom Bom Príncipe acredita que a promoção turística economicamente sustentável e sem pressão para o meio ambiente é, na Ilha do Príncipe, um ideal possível de ser concretizado: "O lucro muito grande, na minha opinião, nunca virá. A Ilha do Príncipe pode se considerar abençoada. Acho que é um dos poucos sítios que conheço ou que ouvi falar, onde é possível se fazer alguma coisa fora de série," considera Sérgio Duarte. "O objetivo é tornar as operações sustentáveis e ter um sítio fantástico, num sítio único no mundo inteiro. É essa a ideia, daí a todos os nosso projetos serem pequeninos," finaliza o diretor-geral do Hotel Bom Bom do Grupo HBD.
*A jornalista da DW viajou até à Ilha do Príncipe a convite da Direção Geral de Turismo e Hotelaria de São Tomé e Príncipe, com apoio da companhia aérea TAP Portugal.